De Jânio Quadros a Vinícius de Moraes: os famosos que passaram pela mansão de Eny Cezarino, o maior bordel do Brasil


g1 mostra como estão as antigas instalações do maior bordel do Brasil, no interior de SP
Uma propriedade luxuosa às margens da Rodovia Marechal Rondon (SP-300), em Bauru (SP), com 40 dormitórios, duas suítes, restaurante, bar, cozinha, muitos banheiros, sala, piscina e um jardim de rosas cuidadosamente regado por Eny Cezarino atraiu senadores, celebridades, empresários e turistas entre as décadas de 1950 e 1980.
No auge da fama, o bordel chegou a abrigar 70 prostitutas, mas está sem atividades há quase 45 anos. A seguir, o g1 revisita a história da mansão que marcou a história de Bauru e relembra as personalidades que frequentaram o que foi considerado o maior bordel do Brasil em seus tempos áureos.
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Conheça a história de Eny Cezarino, dona do bordel conhecido como o maior do Brasil
Paulo Piassi/g1
Celebridades e políticos
Por ter se tornado um bordel de alto padrão, segundo a biografia da cafetina, “Eny e o Grande Bordel Brasileiro”, de Lucius de Mello, não era incomum encontrar empresários, fazendeiros, turistas e celebridades na Casa da Eny.
Desde o início de seu negócio, a paulistana decidiu criar boas relações com figuras importantes da cidade, que a visitavam com frequência. Entre as mais próximas, está Nicola Avallone Junior, ex-prefeito de Bauru e ex-deputado estadual, com quem trocou cartas até o fim de sua vida.
“Querida e sempre lembrada Eny, um patrimônio bauruense. Impossível passar mais tempo sem notícias da mulher que projetou Bauru pela grandeza de seu coração e por dotá-la de uma casa noturna cuja fama se espalhou pelos quatro cantos da pátria”, relata uma carta de Nicola a Eny em 1984, antes de sua morte.
Ainda segundo a obra “Eny e o Grande Bordel Brasileiro”, a cafetina, apesar da efervescência política e polarização da época, era discreta ao apoiar seus amigos ou declarar suas preferências políticas.
“Bauru aglutinava as pessoas e a Casa da Eny, na verdade, se tornou um ponto de encontro desses empreendedores, comerciantes e políticos que aqui vinham para fazer os seus negócios”, explica a historiadora Terezinha.
Mesmo assim, não deixou de fazer campanha para Jânio Quadros, o próprio Nicola e Paulo Maluf. Além disso, recebeu Vinicius de Moraes enquanto o cantor visitava o interior de SP durante turnê, assim como Sérgio Reis, que relata que apenas se divertiu, bebeu e dançou em uma das casas mais agitadas da cidade.
Na primeira visita de Sérgio, destacada como uma das mais marcantes, o sertanejo foi contratado por um rico fazendeiro, que decidiu comemorar seu aniversário de 40 anos em uma das maiores suítes do local. Ainda de acordo com a obra, o valor da contratação foi equivalente a R$ 35 mil.
Elke Maravilha também foi ao local e Jurandyr Bueno Filho, arquiteto famoso do município, sempre estava presente na Casa de Eny, rodeado de outras figuras importantes de Bauru e cultivando uma amizade com a cafetina.
Fotografia das meninas que trabalhavam no bordel de Eny Cezarino, em Bauru (SP)
Reprodução/’Eny e o Grande Bordel Brasileiro’/Editora Planeta
A casa da Eny
Eny Cezarino, nascida em São Paulo (SP) em 1917, teve uma longa jornada até construir seu grande bordel em Bauru. Apesar do enxoval de casamento pronto, a paulistana fugiu de casa quando atingiu a maioridade para se prostituir no bairro Bom Retiro, em São Paulo.
Segundo a biografia “Eny e o Grande Bordel Brasileiro”, ela chegou a conhecer o ex-presidente Getúlio Vargas em jantares finos para os quais foi convidada na capital. De lá, foi para o Rio de Janeiro (RJ) e, algum tempo depois, para Porto Alegre (RS).
Também trabalhou em Paranaguá (PR) até descobrir as oportunidades que estavam surgindo em uma cidade do interior de SP chamada Bauru.
O município se destacava por diversos motivos e, segundo Terezinha Santarosa Zanlochi, professora doutora em história social pela Universidade de São Paulo (USP), seu crescimento foi impulsionado por uma combinação de fatores: a localização comercial estratégica, a presença da estrada de ferro, o protagonismo no setor de telecomunicações com a criação da primeira emissora de todo o interior da América Latina (a TV Bauru Canal 2, atual TV TEM), além de uma indústria aquecida e de empreendedores que acreditavam no potencial da cidade.
Com isso, Eny mudou-se para a “Cidade Sem Limites” e, juntando dinheiro o suficiente para comprar e comandar um dos pontos mais movimentados da cidade, o tornou o mais luxuoso da rua. Quando as autoridades determinaram a retirada dos bordéis do Centro, a cafetina comprou o terreno de 12 mil m² e o transformou em uma referência nacional.
Visão da piscina do bordel de Eny Cezarino, em Bauru (SP)
Reprodução/Facebook
As garotas da Eny
As chamadas “garotas da Eny” possuíam ficha policial limpa, obrigatoriedade de exames médicos, idas frequentes ao melhor salão de beleza do município, vestidos feitos sob medida e a necessidade de atingirem o nível de qualidade determinado pela cafetina, à altura do bordel e de seus convidados.
Como as funcionárias não eram aceitas em eventos abertos da igreja, como as missas e quermesses, Eny fazia festas juninas e outros eventos em sua casa. Mesmo com olhares de julgamento, muitos comerciantes viam benefícios em prestar serviços à cafetina, que trazia muito lucro.
Além disso, com as grandes cifras depositadas em sua conta no banco quase que diariamente, Eny também se dedicou a ajudar populações carentes. Doações de alimentos, frutas e carnes para diversas instituições da cidade eram realizadas frequentemente pela cafetina, que conquistou também uma fama de caridosa.
Lucius de Mello à esquerda e, à direita, a capa do seu livro ‘Eny e o Grande Bordel Brasileiro’
Arquivo pessoal
O depois
Objeto de curiosidade do jornalista Lucius de Mello, à época repórter da Rede Globo-Oeste Paulista (atual TV TEM), a vida da empresária foi explorada nas 400 páginas do livro “Eny e o Grande Bordel Brasileiro”, obra finalista do Prêmio Jabuti na categoria melhor reportagem/biografia em 2003.
O jornalista, que é doutor em letras pelo programa de pós-graduação em letras estrangeiras e tradução da FFLCH – USP e Sorbonne Université-Paris, explicou, em entrevista ao g1, que foram mais de dez anos explorando cada detalhe da vida da famosa Madame Eny.
“Deu muito trabalho localizar, convencer e ouvir parentes próximos e distantes, amigos(as) íntimos(as), ex-namorados, ex-prostitutas e ex-funcionários, frequentadores anônimos e famosos do bordel. Ouvi aproximadamente 100 pessoas para a biografia. Acredito que fui o primeiro jornalista a biografar a história de uma puta no Brasil”, conta.
A visita do jornalista ao bordel se deu nos anos 2000, depois da venda do local, fechada em 1983, no valor de 150 milhões de cruzeiros. Na época, como Lucius relata em seu livro, o local já mostrava sinais de abandono, apesar de alguns quartos ainda manterem os espelhos no teto, as cortinas de veludo e as camas redondas.
Atualmente, o jardim de rosas, os móveis luxuosos, o bar cheio de bebidas e os quartos que receberam muitos clientes já não existem mais. Após a venda do imóvel, a Casa da Eny chegou a ser utilizada como local de festas nos anos 2000, mas, atualmente, segue com uma tranquilidade estranha para uma casa que já chegou a ser tão agitada. Confira imagens feitas pela equipe do g1 no vídeo acima.
Em entrevistas para veículos jornalísticos à época da venda, Eny Cezarino afirmou que o ramo de motéis estava enfraquecendo o seu negócio. Além disso, a mudança dos costumes no início dos anos 80 fez com que o movimento de clientes diminuísse, e um golpe do seu contador fez com que a fortuna que a cafetina havia construído durante toda a sua vida se diluísse até o fim.
Quatro anos após se desfazer do negócio, Eny teve uma piora em sua saúde e também em suas finanças, morrendo no dia 24 de agosto de 1987, em um leito do Hospital Beneficência Portuguesa, em Bauru.
Eny Cezarino, em Bauru (SP), já no fim de sua vida em 1982
Reprodução/Facebook/Revista Fatos e Fotos
O velório não atraiu grande público, mas as memórias da casa e das ações da cafetina se mantinham vivas pelas ruas da cidade: os comentários que Lucius ouvia ao falar de Eny após a sua morte eram sempre positivos.
Considerado o maior bordel do Brasil, o letreiro do Eny’s Bar continua referenciando o local, mas não brilha há tempos em um local que se tornou, durante bons anos, um dos mais conhecidos da cidade.
*Colaborou sob supervisão de Ana Paula Yabiku
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