
Barulho e ‘chuva de entulho`: moradores relatam transtornos de obra na Glória
Os dias gloriosos do Hotel Glória ficaram no século passado, mas a promessa é que o luxo esteja de volta em breve ao local. A obra para transformar o prédio centenário fechado desde 2013 em um residencial com apartamentos de até R$ 6 milhões está prevista para 2026, mas, enquanto isso, moradores vizinhos relatam uma série de problemas.
Barulho fora do horário permitido por lei, caminhões e maquinários bloqueando as vias, queda de entulho em calçadas e até um banho de cimento molhado, que atingiu um menino que voltava da escola, foram algumas das reclamações ouvidas pelo g1.
A construtora do Glória Residencial diz que preza pelo bom relacionamento e diálogo com vizinhos, que toda obra “possui características inerentes a ela, que podem causar situações que alteram a rotina da sua vizinhança” e que a obra “gera emprego, desenvolvimento e, geralmente, após a sua conclusão, há a valorização da região”.
“As melhorias que estão sendo implementadas já podem ser vistas”, diz o texto (leia a íntegra no fim da reportagem).
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Dias inglórios para os vizinhos da obra
Foto da área de lazer do antigo Hotel Glória
Reprodução: site oficial de divulgação da Opportunity Imobiliária
O icônico Hotel Glória foi um dos símbolos do glamour carioca no século 19. A suíte principal chegou a hospedar nomes como Albert Einstein e vários chefes de Estado.
O prédio neoclássico foi comprado pelo grupo Opportunity, depois de anos de abandono, e está sendo reformado para fazer um condomínio de luxo. Serão 266 apartamentos, com valores de R$ 1,2 milhão a R$ 6 milhões.
Projeto do Glória Residencial preserva fachada histórica, transformando o interior
Reprodução: site oficial de divulgação da Opportunity Imobiliária
Mas, enquanto as obras não acabam, vizinhos querem ter seus direitos respeitados.
Morador da Rua do Russel desde a infância, Theo Novaes , de 29 anos, conta que parte do prédio não tem proteção adequada para segurar o entulho, que “chove” na calçada (veja no vídeo no início da reportagem).
O problema era mais grave na fase de demolição, mas continua acontecendo.
“A parte ali que é vista pelo público recebe o mínimo do mínimo de segurança, mas a parte de trás são outros quinhentos, é como se eles ignorassem completamente a lei”, diz Theo.
Pedra que teria caído da obra do Glória Residencial na Ladeira de Nossa Senhora
Reprodução: registro enviado por maradora
Ele conta que o para-brisas de um carro, estacionado na rua, chegou a ser atingido por uma pedaço de entulho que caiu do prédio e um menino ficou coberto de pingos de cimento, quando voltava da escola.
Esse é um problema que, segundo os moradores, se arrasta há quatro anos. Hoje, o que mais o incomoda é o uso de máquinas barulhentas – fora dos horários permitidos – e a poeira.
Na quarta-feira (30), por exemplo, Theo foi acordado às 7h30 da manhã com o barulho. O programador trabalha para uma empresa da Nova Zelândia e, por conta da obra, não consegue descansar.
Theo usou o aplicativo SPL Cam para registrar o barulho, medindo os decibéis.
Reprodução
Nesse dia, ele resolveu acionar a polícia. Relata que os agentes conversaram com os engenheiros no local, que prometeram manter o maquinário desligado até as 8h.
Na quinta-feira (31), Theo diz que despertou, novamente, às 7h45, com equipamentos barulhentos a todo vapor. Ele registrou, ainda, mais entulho caindo por grandes buracos nas bandejas de contensão.
Morador registrou pedaços de entulho caindo por esse buraco
Reprodução
De acordo com a Lei do Silêncio, o uso de maquinário ruidoso, em obras públicas e privadas, é permitido entre 10h e 17h, nos dias úteis.
“Eu não sou uma pessoa que acorda 7h da manhã porque eu não tenho condições. Eu trabalho em outro fuso horário. E a obra fica a dez metros da minha cama”, conta Theo.
O acúmulo de poeira também incomoda. Segundo ele, a obra não usa equipamentos adequados para evitar a proliferação do pó.
Asmático, Theo se preocupa com o impacto da sujeira na sua saúde.
“O chão da minha varanda é cinza. E esse mesmo cinza que vai parar no chão da minha casa vai parar nos meus pulmões também”, disse.
Esse é o piso da varanda de Theo, coberto pelo pó da obra do Glória Residencial.
Reprodução
A mãe do rapaz, Juliana Novaes, mora na Ladeira de Nossa Senhora e também sofre com as mesmas questões. Além disso, queixa-se da desordem nas vias próximas ao empreendimento.
“Transformaram a rua em um canteiro de obras”, conta.
Ela diz que, não raro, caminhões trafegam na contramão para abastecer a obra, caçambas e materiais ocupam as calçadas e acidentes acabam com fiação pública ou tubulação danificada.
“É fio de internet que é arrancado, fio da light também”, disse. Segundo ela, a vizinhança chegou a passar quase cinco dias sem luz. Também enfrentaram problemas no abastecimento de água.
Juliana diz, ainda, que tentou falar com os responsáveis pela obra, da SIG Engenharia, várias vezes. “Eles simplesmente dão umas respostas evasivas e nenhuma medida é tomada”, disse.
Juliana registrou a Ladeira de Nossa Senhora lotada de caminhões
Reprodução
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Vizinhos de hospital também reclamam de barulho
A menos de 800 metros do residencial, outra obra incomoda os ouvidos dos vizinhos. Desde o início do ano, o hospital Glória D’Or tem passado por reformas e a questão do horário também uma reclamação.
A unidade, sediada no prédio histórico da antiga Beneficência Portuguesa, é maior complexo hospitalar da Rede D’Or no Rio de Janeiro.
Felipe Carvalho é psicólogo e também diz que teve seu trabalho impactado, porque atende na sua residência, na Rua Benjamin Constant. “Fui obrigado, de forma indireta, a comprar uma janela antirruído, para que eu pudesse ter o mínimo de paz nos atendimentos”, disse.
Segundo ele, mesmo nos sábados e domingos a obra extrapola os horários permitidos. Felipe disse, ainda, que tentou entrar em contato com os responsáveis e com a prefeitura diversas vezes, mas não conseguiu solucionar os problemas.
“Foram três domingos consecutivos. Me falaram que foi porque o planejamento estava atrasado”, disse o psicólogo. “Isso não é uma justificativa plausível.”
Obras no Hospital Glória D’Or, vistas da janela de Felipe
Reprodução
Tai Barroso é moradora da Rua do Fialho e trabalha de casa, como consultora. Para tentar contornar a questão do barulho, investiu em tampões de ouvido e fones antirruído, mas não tem sido suficiente.
“Por conta do excesso de barulho eu comecei a ter crises de ansiedade na hora de acordar”, conta Tai. “Abro o olho já me sentindo ansiosa, nervosa e, sinceramente, já me sentindo injustiçada.”
O g1 entrou em contato com a Rede D’Or, que disse que que vem cumprindo todas as exigências legais, inclusive de horário limite para realização da obra, e que o hospital trabalha para minimizar os impactos na vizinhança (veja íntegra da nota abaixo).
O que fazer?
De acordo com a Prefeitura, em casos de perturbação do sossego, o cidadão deve registrar a ocorrência pela Central 1746. A Guarda Municipal é responsável por fiscalizar essas situações, com base na legislação vigente.
A Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Licenciamento (SMDU) também disse que a responsabilidade pela fiscalização e execução das obras é dos responsáveis técnicos da construtora e que os mesmos já foram intimados a cumprir as normas de segurança, horário de execução e limpeza da via pública.
O que dizem os citados
Sobre os relatos de moradores da Glória com relação à obra do Glória Residencial Rio de Janeiro, a SIG Engenharia se pronunciou com a seguinte nota:
“O bom relacionamento com os moradores vizinhos às nossas obras é um assunto de grande relevância para nós, motivo pelo qual sempre estivemos abertos ao diálogo com os moradores do entorno, para que a nossa presença no dia a dia da vizinhança fosse marcada pela boa convivência durante o período de construção.
Sabemos que toda obra possui características inerentes a ela, que podem causar situações que alteram a rotina da sua vizinhança, principalmente uma obra do porte do Glória Residencial. Mas é importante destacar que, por trás de uma obra, está mais do que uma construtora e um novo empreendimento, há geração de emprego, desenvolvimento e, geralmente, após a sua conclusão, há a valorização da região e dos imóveis no entorno do Empreendimento, com a atração de serviços, comércio e a revitalização de áreas.
As melhorias que estão sendo implementadas já podem ser vistas nas recuperações das calçadas com suas pedras portuguesas, no conserto e revitalização de todos os postes históricos e suas respectivas luminárias do entorno, na recuperação da Murada da Glória e na revitalização da praça em frente ao empreendimento.
O Glória Residencial já demonstra ser um importante vetor de requalificação para o bairro da Glória, assim como foi o Empreendimento Ícono para o bairro do Flamengo, desenvolvido e construído pelas mesmas empresas”.
A Rede D’Or disse:
“O Hospital Glória D’Or assegura que vem cumprindo todas as exigências legais, inclusive de horário limite para realização da obra, conforme registrado por recente fiscalização de órgãos municipais. Reforçamos que nenhuma irregularidade foi constatada na visita dos fiscais.
O hospital segue trabalhando diariamente para minimizar o impacto para a vizinhança.
Por fim, ressalta também que a construção do novo prédio representa investimento em medicina de ponta, que vai ampliar o acesso à assistência médico-hospitalar de qualidade na região e na cidade como um todo.”