Brasil dobra aposta nos Brics e desafia Trump, diz jornal britânico


Presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Getty Images via BBC
O Brasil vai dobrar sua aposta no bloco Brics, desafiando as ameaças do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de impor tarifas contra as exportações brasileiras ao país, segundo reportagem do jornal Financial Times do domingo (27/7).
O jornal conversou com o assessor de Relações Exteriores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Celso Amorim, que disse que os ataques de Trump “estão reforçando nossas relações com os Brics, porque queremos ter relações diversificadas e não depender de nenhum país”.
Os Brics são formados por Brasil, Rússia, China, Índia, Irã, Arábia Saudita, Etiópia, Indonésia, África do Sul, Emirados Árabes Unidos e Egito e representam quase a metade da população mundial e 40% da riqueza produzida globalmente. Alguns analistas veem um elemento antiocidental no bloco, dada a presença de países como o Irã.
Amorim disse ao jornal que a tentativa do republicano de interferir em assuntos internos brasileiros não tem precedentes “nem em tempos coloniais”.
“Nem a União Soviética teria feito algo assim”, disse, apontando que Trump está tentando agir politicamente dentro do Brasil em favor do ex-presidente Jair Bolsonaro, “seu amigo”.
As tarifas foram anunciadas por Trump em 9 de julho e devem passar a valer a partir de sexta-feira (1/8).
O presidente americano citou como um motivo para a taxação o tratamento dado a Bolsonaro pela Justiça brasileira no processo em que o ex-mandatário e aliado do republicano é acusado de tramar um golpe de Estado. Para Trump, trata-se de uma “caça às bruxas” contra o aliado. Já Lula disse que a ameaça é uma “chantagem inaceitável”.
Na entrevista ao FT, Amorim reafirmou a decisão brasileira de aprofundar sua participação no bloco dos Brics, formado por Brasil, China, Rússia, Índia e África do Sul, apesar das pressões de Trump.
O republicano impôs uma sobretaxa de 10% sobre países alinhados aos Brics, que considera um grupo anti-EUA, e criticou as falas de Lula pregando um “desdolarização” da economia mundial durante a reunião do bloco no Rio, no começo do mês.
“O que está acontecendo está reforçando nossas relações com os Brics, porque queremos diversificar nossas relações e não depender de nenhum país só”, disse Amorim, ressaltando que o Brasil também pretende fortalecer vínculos com países da Europa, Ásia e América do Sul.
Embora a China seja o maior parceiro comercial do Brasil, com importações que chegaram a US$ 94 bilhões em produtos principalmente agrícolas e minerais no ano passado, o ex-chanceler negou que o Brasil queira que Pequim seja o principal beneficiário das tarifas americanas elevadas.
Ao mesmo tempo, Amorim rejeitou que o Brics tenha caráter ideológico, defendendo o bloco como uma forma de apoiar a ordem multilateral global, especialmente diante da postura unilateral e isolacionista dos EUA sob Trump.
O conselheiro de Lula também pediu que a União Europeia ratifique rapidamente o acordo comercial com o Mercosul, destacando que a ratificação traria não só ganhos econômicos imediatos, mas também maior equilíbrio nas relações globais.
O assessor internacional mencionou ainda que o Canadá demonstrou interesse em negociar um acordo de livre comércio com o Brasil e indicou que o último ano do governo Lula terá um foco maior na integração da América do Sul, região que comercializa menos internamente do que qualquer outra do mundo.
Para Amorim, Trump é um caso incomum na diplomacia: “Países não têm amigos, têm interesses; mas Trump não tem nem amigos, nem interesses, só desejos”.
Ele afirmou que a abordagem do ex-presidente americano é “uma ilustração do poder absoluto”.
As declarações do assessor de Lula ao Financial Times acontecem em um momento que o governo brasileiro parece considerar inevitável a entrada em vigor do tarifaço de Trump na próxima sexta-feira.
Autoridades brasileiras e o próprio Lula tem reclamado publicamente de não ter canais de negociação com a Casa Branca.
Na sexta-feira (25), o mandatário brasileiro disse que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, foi induzido a acreditar “em uma mentira”, de que o ex-presidente Jair Bolsonaro está sofrendo uma perseguição.
“O Bolsonaro não é um problema meu, é um problema da Justiça brasileira”, disse o presidente durante evento em Osasco (SP).
“Se o presidente Trump tivesse ligado para mim, eu certamente explicaria para ele o que está acontecendo com o ex-presidente”, afirmou.
Lula se colocou à disposição para negociar a taxação de 50% às exportações brasileiras e disse ter escalado um “exímio negociador” para a tarefa, o vice-presidente e ministro da Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin.
Já governadores de oposição, como Tarcísio de Freitas (São Paulo), Ronaldo Caiado (Goiás) e Ratinho Jr. (Paraná) criticaram a estratégia do governo federal em um evento de investidores em São Paulo.
Ratinho Jr. (PSD) chamou de “falta de inteligência” a fala de Lula sobre desdolarização do comércio. “O Bolsonaro não é mais importante que essa relação comercial entre os Estados Unidos e o Brasil”, disse. Nenhum dos governadores citou a exigência de Trump sobre Bolsonaro.
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