Envenenamento por metanol na Ásia: o jovem que viu ‘luz caleidoscópica’ antes de ficar cego


Calum Macdonald foi uma das várias vítimas de envenenamento em massa por metanol no Laos em novembro passado
BBC
Quando Calum Macdonald chegou à fronteira do Vietnã, ele não conseguia ler os formulários que tinha à sua frente. Tudo o que conseguia ver era uma “luz ofuscante e caleidoscópica”.
Ele tinha acabado de descer de um ônibus noturno com seus amigos, vindos de Vang Vieng, um destino turístico popular no Laos.
No dia anterior, o grupo estava hospedado em um albergue onde doses gratuitas de uísque e vodca eram oferecidas aos hóspedes. Calum havia misturado as bebidas com refrigerantes.
Foi somente na fronteira que ele suspeitou que algo pudesse estar errado com sua visão — o que ele contou aos amigos.
“Lembro de sentir uma luz caleidoscópica e ofuscante nos meus olhos, a ponto de não conseguir enxergar nada.”
“[Concordamos] que era estranho, mas achamos que era intoxicação alimentar, e a luz que eu via era apenas sensibilidade”, disse ele à BBC.
Mas quando chegaram ao seu destino no Vietnã, ficou claro que havia algo muito errado.
“Estávamos sentados no quarto do hotel, meus amigos e eu, e eu disse a eles: ‘Por que estamos sentados no escuro? Alguém deveria acender uma luz.'”
As luzes estavam acesas.
Calum estava viajando pelo Sudeste Asiático antes de sofrer envenenamento por metanol em Vang Vieng, no Laos
BBC
Calum, de 23 anos, hoje é cego. E agora ele contou sua história pela primeira vez.
Ele foi uma das várias vítimas de um envenenamento em massa por metanol em Vang Vieng em novembro passado. Seis pessoas morreram. Calum conhecia duas delas — jovens dinamarquesas que ele havia encontrado em festas.
Todos estavam hospedados no Nana Backpacker Hostel, na cidade de Vang Vieng.
Calum está trabalhando com as famílias de outros três britânicos que morreram após intoxicação por metanol no Sudeste Asiático.
Eles cobram do Ministério das Relações Exteriores do Reino Unido alertas mais contundentes sobre os perigos que as pessoas enfrentam ao reservar férias em países onde a intoxicação por metanol é uma preocupação.
Simone White foi uma dessas pessoas.
No dia seguinte à partida de Calum para Vang Vieng, Simone também tomou as doses gratuitas de bebida no albergue. Mais cedo, ela havia enviado uma mensagem de texto para sua mãe dizendo que aquelas eram as melhores férias que ela já havia tido na vida.
Simone foi internada no hospital nos dias seguintes e uma amiga ligou para sua mãe, Sue, para informá-la do ocorrido. Mais tarde, ela ligou novamente para dizer que Simone estava em coma.
Sue comprou uma passagem de avião imediatamente, mas antes de decolar recebeu outra ligação no meio da noite de um médico no Laos que estava tratando de Simone.
“[Ele disse] que eu precisava dar permissão para uma cirurgia urgente no cérebro, ou ela não iria sobreviver. Peguei o avião no dia seguinte sabendo que ela passaria por uma cirurgia, e eu já esperava o pior.”
A britânica de 28 anos morreu no hospital por intoxicação por metanol.
“É muito difícil aceitar o que aconteceu”, diz Sue. “Nada vai trazer Simone de volta.”
Simone mandou uma mensagem para sua mãe antes de morrer dizendo que estava tendo as melhores férias de sua vida
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O metanol é um tipo de álcool comumente encontrado em produtos de limpeza, combustíveis e anticongelantes. É semelhante ao etanol, usado em bebidas alcoólicas, mas é mais tóxico para pessoas devido à forma como é processado pelo organismo.
Bebidas alcoólicas podem ser contaminadas com metanol se forem mal fabricadas.
Esse é um problema conhecido com bebidas destiladas baratas no Sudeste Asiático, onde centenas de pessoas são envenenadas todos os anos, de acordo com a organização humanitária Médicos Sem Fronteiras (MSF).
Os sintomas podem incluir tontura, cansaço, dores de cabeça e náusea.
Para muitas pessoas, a sensação é semelhante a uma ressaca normal, o que torna difícil saber se você foi envenenado ou apenas bebeu demais.
Após 12 a 48 horas, problemas mais sérios podem surgir, como convulsões e visão turva. Em casos graves, isso pode levar à cegueira total e coma.
Apenas 30 ml de metanol podem ser fatais para os seres humanos, afirma a MSF.
Se diagnosticado dentro de 10 a 30 horas após o consumo, o envenenamento por metanol pode ser tratado com sucesso por meio de diálise.
Kirsty, que viveu em Bali por oito anos, também foi vítima de envenenamento por metanol
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Kirsty McKie, de 38 anos, morreu em 2022, mas não foi por aceitar doses gratuitas.
Ela estava bebendo em casa com uma amiga antes de uma noite em Bali, a ilha na Indonésia onde morava e trabalhava havia oito anos.
Sua amiga, Sonia Taylor, disse que ambas sentiram como se tivessem tido uma ressaca particularmente forte no dia seguinte, antes de Kirsty ser levada ao hospital para tratamento.
Sonia também havia bebido o álcool contaminado, mas sobreviveu.
“Nós não tínhamos ideia”, diz Sonia. “Essa provavelmente foi a parte mais difícil para mim, não saber por que você vive e outra pessoa morre… Não parece haver nenhum sentido para o porquê disso.”
Em Sumatra, outra ilha indonésia, Cheznye Emmons morreu após beber gim que, mais tarde, descobriu-se que continha 66 mil vezes o limite legal de metanol em bebidas.
Cheznye morreu após beber gim que continha 66 mil vezes o limite legal de metanol
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A mãe de Cheznye, Pamela, disse à BBC: “Acho que a pior parte disso [foi] que, pouco antes de começar a ter um ataque, quando chegou ao hospital, ela disse ao namorado: ‘Estou com muito, muito medo’. E essa foi basicamente a última vez que ela falou”.
O conselho de Calum aos turistas é evitar bebidas e destilados gratuitos em geral. “Há muitas cervejas saborosas no sudeste da Ásia, e tenho certeza que as pessoas vão gostar muito delas.”
Ele diz que saber da morte das duas garotas dinamarquesas que conheceu em Vang Vieng mudou sua perspectiva sobre sua cegueira.
Calum e as famílias de Simone, Kirsty e Cheznye hoje trabalham para conscientizar as pessoas sobre o envenenamento por metanol
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“Eu realmente sentia que, em muitos aspectos, minha vida não valia a pena ser vivida”, diz ele.
Mas agora Calum está aprendendo a usar uma bengala e espera receber um cão-guia em breve.
“[As mortes] me fizeram perceber que tive muita sorte, e senti muita gratidão por, embora ter enfrentado consequências difíceis, ver que muitas pessoas passaram por situações piores.”
“Eu sinto que, considerando que tive a sorte de sobreviver, tenho um pouco de responsabilidade em tentar evitar que o mesmo [problema] aconteça com outras pessoas.”
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