Liminar do TJ-SP coloca em risco leilão de R$ 3,8 bilhões em certificados imobiliários da gestão Nunes na Faria Lima


Prédios da Avenida Brigadeiro Faria Lima, na Zona Sul de São Paulo, onde o metro quadrado é cobiçado pelas construtoras
Reprodução/TV Globo
A Justiça de São Paulo concedeu uma liminar nesta sexta-feira (15) suspendendo itens das leis que viabilizam o leilão de certificados imobiliários, os Cepacs, da Operação Urbana Faria Lima, na Zona Sul da capital paulista.
O leilão está marcado para a próxima terça-feira, 19 de agosto, na sede da B3, no Centro, e disponibilizará 164.509 Certificados de Potencial Adicional de Construtivo para o mercado imobiliário.
Isso representa o consumo total do estoque restante de cerca de 2,5 milhões de metros quadrados (m²) de potencial construtivo disponibilizado na Operação Urbana Consorciada, através de títulos imobiliários emitidos pela prefeitura para justificar a construções já realizadas acima dos limites da lei na região.
🔍Esses títulos servem como contrapartida para a construção de imóveis que possuem área que excede o coeficiente básico de aproveitamento dos imóveis e estão, por exemplo, embargados pela gestão municipal na região, por desrespeitarem os limites ou regras de construção.
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A revisão da Lei da Operação Urbana Consorciada Faria Lima (OUCFL), aprovada pela Câmara Municipal de SP em 2 de julho de 2024, criou uma nova regra que determina que Cepacs utilizados em imóveis localizados no entorno de eixos de transporte tenham um aumento gratuito – sem recolhimento de impostos – de 30% na sua conversão em potencial construtivo.
O valor mínimo estimado em arrecadação desses novos 164.509 Cepacs é de R$ 3,8 bilhões, considerando o valor base que está sendo usado no edital leilão, que é de R$ 17,6 mil para cada metro quadrado. O leilão é considerado o maior do tipo da história recente da cidade.
Plenário vazio da Câmara Municipal de São Paulo, no Centro da capital paulista.
João Raposo/Rede Câmara
Mas a liminar concedida pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, suspende o bônus de 30% dos Cepacs, que poderiam ser adquiridos por empresas para viabilizar obras de edifícios embargados na região da Faria Lima.
O mercado imobiliário estima que a área tenha pelo menos 15 prédios que podem ser enquadrados nessa gratuidade agora suspensa.
O mais emblemático deles é o edifício St. Barths, edifício de luxo da incorporadora São José, na Avenida Leopoldo Couto Magalhães Júnior.
Ele teve as obras embargadas em 2023, por não ter autorização da Prefeitura de SP para a construção dos 19 andares. Na época, a construtora foi multada em mais de R$ 2 milhões (veja vídeo abaixo).
Outra regra suspensa é a que estendia o bônus de 30% para Cepacs vendidos antes da entrada em vigor das novas regras, o que segundo o MP geraria um enriquecimento ilícito dos proprietários destes títulos.
Prédio de luxo foi construído sem autorização
Prejuízo de R$ 174 milhões
Os desembargadores do TJ-SP entenderam que as modificações nas leis n.º 13.769, de 26 de janeiro de 2004, e Lei n.º 18.175, de 25 de julho de 2024 – aprovadas na Câmara Municipal ano passado – são inconstitucionais e podem causar um prejuízo milionário para a cidade, calculado em pelo menos R$ 174 milhões apenas na Operação Urbana Faria Lima.
O valor foi calculado pelo próprio Ministério Público, que moveu a ação contra a prefeitura. Segundo promotor Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, os vereadores de São Paulo não ouviram adequadamente os moradores da cidade para aprovar as modificações.
Ele também alega que os parlamentares não apresentaram qualquer estudo técnico ambiental e financeiro para demonstrar a viabilidade das medidas.
O bônus aprovado na Câmara através do projeto de lei 28/2022 foi regulamentado pelo decreto municipal nº 64.112, publicado pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB), em 20 de março de 2025, que também foi suspenso pelo TJ-SP nesta sexta-feira (15).
“A Administração Pública municipal, em razão da concessão graciosa [gratuita] aos particulares de 30% do estoque do potencial construtivo já alienado (mas ainda não utilizado), automaticamente deixa de arrecadar com a alienação dessa metragem de potencial construtivo, o que representa autêntica renúncia de receita. Essa renúncia se dá na ordem de R$ 174 milhões”, escreveu o promotor.
A decisão dos desembargadores é em caráter liminar e, portanto, o mérito da denúncia apresentada pelo MP-SP deve ser apreciado em outro momento, mas não a tempo de salvar o certame marcado pela gestão Ricardo Nunes (MDB) para a próxima terça (19).
Fontes do Ministério Público afirmaram que já na segunda-feira (18) o órgão deve encaminhar ofício à Prefeitura de SP determinando a sustação do leilão, sob pena de responsabilização cível e criminal das autoridades competentes.
A reportagem procurou a Prefeitura de São Paulo para comentar o assunto, mas não recebeu retorno até a última atualização desta reportagem.
A Câmara Municipal da cidade também foi procurada, mas ainda não se manifestou.
Fachada do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), no Centro da capital paulista.
Divulgação
Início do imbróglio
A denúncia do Ministério Público foi baseada em um parecer jurídico da SP Urbanismo – órgão especializado da Prefeitura de SP, que no ano passado recomendou aos secretários do prefeito Ricardo Nunes (MDB) que consultassem a Procuradoria Geral da Município (PGM) para um necessário veto aos itens do bônus gratuito oferecido pelos vereadores às construtoras.
O documento assinado pelo gerente jurídico do órgão – Marc Zablith – diz que a concessão do benefício retroativo de 30% às construtoras da cidade “estaria a se configurar verdadeiro enriquecimento sem causa [dessas empresas], haja vista a inexistência de fato jurídico idôneo para ensejar o aumento patrimonial de detentores de CEPACs e certidões já emitidos” pela prefeitura.
“Não há razão lógica para a criação incentivos ex post, retroativos. (…) tal regra desnatura o mecanismo de captação de rendas imobiliárias para a realização de investimentos públicos, como sói acontecer em OUCs [Operações Urbanas Consorciadas]”, escreveu Zablith.
O parecer foi encaminhado ao Ministério Público por entidades de defesa da cidade, reunidas no movimento ‘Defenda São Paulo’.
Ao acolher o caso e apresentá-lo a Justiça em forma de ação direta de inconstitucionalidade (ADI), o promotor classificou o dispositivo como uma “lei institui verdadeiro prêmio financeiro, por ato do próprio Poder Público, a particulares”, afrontando a moralidade e a ética.
“A previsão de aplicação retroativa da majoração aos CEPAC já alienados e às certidões de pagamento já expedidas representa franca ofensa aos princípios de moralidade, que se impõe à atividade legislativa, traduzido na prescrição de regras que se mostrem em conformidade com uma ordem ética, acordada com os valores sociais prevalentes”, escreveu Paulo Sérgio de Oliveira e Costa na denúncia.
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