
Investigações apuram homicídios e desvio de armas envolvendo policiais civis e militares
O inquérito realizado pelo Ministério Público da Bahia e Corregedoria da Polícia Civil (PC) levantou informações sobre uma ação de 2024 envolvendo policiais civis e militares da Bahia, que terminou com a morte de duas pessoas. Até o momento, dois policiais militares e um ex-PM foram formalmente denunciados pelos crimes de homicídio qualificado, constrangimento ilegal, extorsão e associação criminosa.
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Os agentes são denunciados pela morte de Joseval Santos Souza – conhecido como “maquinista” e que respondia por tráfico de drogas – e Jeferson Sacramento Santos, enteado dele. No dia 11 de julho de 2024, quando aconteceu a ação, os dois homens foram levados pelos policiais até o local onde havia um esconderijo de drogas e armas de uma facção criminosa, na cidade de Lauro de Freitas.
Poucos dias após a ação, Joseval e Jeferson foram encontrados mortos, com sinais de tortura.
A mesma ação levou à exoneração do delegado Nilton Tormes, que na época era coordenador do coordenador técnico do Departamento de Polícia Metropolitana (Depom). Ele foi exonerado em março de 2025 após uma denúncia feita na Corregedora da PC. Outros policiais que participaram da ação também foram ouvidos durante a ação.
Veja abaixo o que se sabe e o que falta esclarecer sobre o caso:
Quem são os denunciados pelo Ministério Público?
Porque os PMs e o ex-PM são investigados?
Como as vítimas foram encontradas?
Como a morte das vítimas foi ligada aos policiais?
O que falta esclarecer?
O que se sabe e o que falta esclarecer sobre suposto esquema de desvio de armas envolvendo policiais da Bahia
Foto: Divulgação/Depom
1. Quem são os denunciados pelo Ministério Público?
Conforme denúncia, a qual o g1 teve acesso, parte dos agentes que estiveram na ação do dia 11 de julho de 2024 são suspeitos de matar a dupla Joseval Santos Souza e Jeferson Sacramento Santos. São eles:
Roque de Jesus Dórea, capitão do Departamento Pessoal da Polícia Militar, conhecido como capitão Dórea;
Ernesto Nilton Nery Souza, soldado da Polícia Militar, lotado no bairro da Liberdade;
E Jorge Adisson Santos da Cruz, ex-policial militar, demitido por envolvimento em crime de extorsão, mediante sequestro seguido de morte, em 2015;
Os três foram presos durante uma operação em agosto de 2024. Com eles foram apreendidas drogas, dinheiro e armas, inclusive uma arma que Nery teria tirado do esconderijo encontrado meses antes.
Soldado da PM Ernesto Nilton Nery Souza (à esquerda), Roque de Jesus Dórea, capitão do Departamento Pessoal da PM (ao meio) e Jorge Adisson Santos da Cruz, ex-policial militar (à direita).
Reprodução/TV Bahia
2. Por que os PMs e o ex-PM são investigados?
O trio é investigado por serem suspeitos diretos da morte de Joseval e Jeferson. A investigação detalha que o capitão Dórea recebeu a informação de que o local onde as armas e drogas estavam escondidas pertenciam a um integrante de facção criminosa, morto no início de julho de 2024.
Ele entrou em contato com o cabo da Polícia Militar (PM) Tibério do Vale Alencar para informar que tinha detalhes sobre o esconderijo. Por sua vez, o cabo acionou o delegado Nilton Tormes, então coordenador técnico do Departamento de Polícia Metropolitana (Depom), que convocou também agentes da Coordenação de Recursos Especiais (Core).
Em depoimento à 2ª Vara do Tribunal do Júri, Nilton Tormes afirmou que a alta cúpula da Polícia Civil sabia sobre a ação e autorizou a participação da Core. No mesmo dia, o grupo de policiais marcou um encontro na Estrada CIA-Aeroporto, em Salvador, para discutir a ação.
Estiveram no ponto de encontro, o delegado Tormes, o cabo da PM Tibério e uma equipe da Core, na época chefiada por Douglas Pithon. O capitão Dórea chegou ao local de encontro, por volta das 22h, na companhia do soldado Nilton Nery e do ex-PM Jorge Adisson, bem como Joseval e Jeferson.
Vítimas são Joseval Santos Souza (à esquerda) e Jeferson Sacramento Santos (à direita).
Reprodução/TV Bahia
Os depoimentos dos ouvidos divergem sobre a presença de Joseval, que teria atuado como informante e guiou o grupo pela região de mata. Alguns indicam que todos os presentes usavam balaclavas e coletes balísticos, entretanto, outros apontam que havia um homem algemado, sem camisa e calça jeans.
Toda a ação teria durado cerca de 40 minutos e, neste tempo, Jeferson, enteado de Joseval, estava no carro dele, usado para chegar ao local. O grupo atravessou a área de mata, em meio a chuva e sem uso de lanternas para evitar chamar atenção.
Todos os investigados relataram que as armas foram encontradas em um tonel enterrado no chão e o material (que também incluía munições e drogas) foi colocado dentro do porta-malas de uma viatura da Core.
É importante ressaltar que os outros policiais citados durante o inquérito contribuíram na condição de testemunhas. Todos foram ouvidos por participarem da ação coordenada pelos denunciados.
3. Como as vítimas foram encontradas?
Ainda segundo o inquérito do MP, Jeferson e Joseval saíram para trabalhar às 7h do dia 11 de julho de 2024. No início da noite, a esposa de Jeferson ficou preocupada com a demora para o retorno dos dois e tentou entrar em contato com ele diversas vezes.
Por volta das 22h, ela recebeu uma mensagem dele afirmando que teria uma reunião “com os meninos”. Às 6h14 da manhã do dia 12 de julho, ela recebeu uma nova mensagem feita pelo celular de Jeferson, em que informavam que ele e o padrasto haviam sido sequestrados.
Os sequestradores se identificaram como policiais e exigiram um pagamento de R$ 30 mil para liberação da vítima. A mulher se movimentou para conseguir o dinheiro e conversou com os suspeitos até às 6h52.
Após não receber retorno dos sequestradores, a esposa de Jeferson se dirigiu até a Delegacia Especializada Antissequestro (DAS) e prestou uma queixa sobre o caso. No dia 13 de julho, ela acionou amigos e familiares para realizar buscas por Jeferson e Joseval nos hospitais da região.
Ao se dirigirem até o Instituto Médico Legal Nina Rodrigues, os familiares receberam a notícia de que Jeferson foi encontrado no dia anterior, por volta das 3h, na Avenida 2 de Julho, região de Águas Claras.
Além disso, foram também informados de que outro corpo, ainda sem identificação foi encontrado. O irmão de Joseval foi contatado e confirmou a identidade dele. Jeferson e Joseval foram sepultadas nos dias 14 e 15 de julho, respectivamente.
Vale ressaltar que a investigação detalha que o corpo de Jeferson foi encontrado com nove perfurações por projétil de arma de fogo e estava algemado. O cadáver de Joseval foi encontrado em condições similares: também algemado, com duas perfurações por arma de fogo, sem camisa e de calça jeans. A vestimenta também se conectou com o depoimento dado por alguns agentes da Core que participaram da ação.
Além disso, um carro vermelho, visto escoltando o veículo de Jeferson horas antes, na região em que ocorreu a operação policial. Este automóvel vermelho foi usado pelos policiais militares para chegar até o local do encontro marcado com os outros agentes de segurança.
O veículo que pertencia a Jeferson foi encontrado a 700 metros de onde o corpo de Joseval foi encontrado, em Cajazeiras de Abrantes, na cidade de Camaçari.
4. Como a morte das vítimas foi ligada aos policiais?
Delegado Adailton Adam conectou o desaparecimento de Jeferson e Joseval com a ação dos policiais investigados
Reprodução/TV Bahia
Após a denúncia na DAS, o delegado Adailton Adam começou a investigar a morte de Joseval e Jeferson. Foi ele o responsável por conectar a ação dos policiais com o desaparecimento dos dois homens.
Em depoimento prestado durante as investigações, ele afirmou que o soldado Nilton Nery contou em oitiva — dada a ele durante as apurações sobre a ação de julho de 2024 — que ouviu na mata perguntarem ao delegado Nilton Tormes o que fazer com o informante. O policial civil teria respondido com a frase “dê o destino”, indicando a execução de Joseval.
Após a tentativa de extorsão à família de Jeferson, o cartão da vítima foi utilizado para comprar um lanche no valor de R$ 12 em uma banca de caldo de cana, na cidade de Lauro de Freitas.
Essa foi uma das pistas principais da investigação, uma vez que quem utilizou o cartão foi o soldado Nery, um dos denunciados pelo MP-BA. Após isso, o militar chegou a abordar o delegado Adailton Adam e confessou a execução, assim como a utilização do cartão da vítima.
Ainda conforme o responsável pela Delegacia Antissequestro, o militar admitiu ter ficado com uma das armas do esconderijo, sem ter registrado. O delegado afirmou ainda que após a conversa foi procurado pelo Cabo Tibério e o delegado Nilton Tormes, que pediram para que ele parasse com a investigação.
Nilton Tormes foi exonerado do cargo de coordenador técnico do Depom em março deste ano, suspeito de participar do esquema de desvio dos fuzis aprendidos naquela noite.
5. O que falta esclarecer?
Ainda em depoimento, o delegado Adailton Adam afirmou que o soldado Nilton Nery confessou a ele que teria retido uma das armas do esconderijo da facção criminosa no dia 11 de julho de 2024. Além disso, o titular da DAS pontuou ainda que quando Nery foi preso, essa arma foi apreendida com ele.
No mesmo dia, o capitão Dórea, que também foi preso em agosto de 2024, teria escrito uma carta na qual relatava que os policiais da Core pegaram ao menos 10 pistolas do esconderijo. Apesar disso, esse documento desapareceu
O delegado Nilton Tormes, em depoimento à 2ª Vara do Tribunal do Júri, que o capitão Dórea teria recebido a informação de que o esconderijo abrigava ao menos 70 fuzis. O material pertencia ao integrante de facção morto no início e julho daquele ano. Ainda assim, o ex- coordenador técnico do Depom e os outros agentes ouvidos insistem que todo o material apreendido foi declarado.
O inquérito também conseguiu apurar que, mesmo diante do que seria a maior apreensão de armas de 2024, nenhum levantamento, relatório ou contagem foi feita. Inicialmente, as armas foram levadas para o Departamento de Polícia Metropolitana (Depom) e, no dia seguinte, encaminhadas para a sede da Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA), por ordem do direto do departamento, Arthur Gallas.
O inquérito aponta que as armas só passaram por perícia após serem manipuladas diversas vezes, momento em que a informação chegou à imprensa baiana.
Mudanças em depoimentos motivaram investigações sobre bunker encontrado na RMS
Uma troca de áudios entre o então coordenador da Core, Douglas Pithon, e um colega sugeriu um suposto alinhamento de depoimentos sobre a ação. A conversa teria acontecido após os depoimentos prestados ao delegado Adailton Adam e apontam uma orientação de Nilton Tormes para que uma nova oitiva fosse realizada.
Em nota, Pithon defende que a discussão em questão foi sobre o dia, horário e local onde o agente da Core deveria ir até a delegacia prestar o depoimento. Ele também pontua que um novo depoimento precisou ser feito porque as oitivas com Adam foram adulteradas.
Nenhum dos policiais ouvidos soube precisar a quantidade de armas apreendidas naquele dia. Até o momento, o Ministério Público e a Corregedoria da Polícia Civil também não conseguiram definir quantas armas teriam sido apreendidas.
Toda a situação ainda é investigada pela Corregedoria da Polícia Civil e MP-BA.
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