
Entenda esquema de corrupção que afastou prefeito de São Bernardo do Campo
O esquema de corrupção e lavagem de dinheiro na Prefeitura de São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, envolvendo o prefeito Marcelo Lima (Podemos), tinha celulares “clandestinos” e códigos especiais para impedir a identificação dos envolvidos, aponta investigação da Polícia Federal.
Nesta quarta-feira (14), a PF deflagrou a Operação Estafeta, que terminou com a prisão de dois empresários e um servidor, além do afastamento do prefeito por um ano, com uso de tornozeleira eletrônica.
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Como funcionava o esquema
Segundo a investigação, uma complexa organização criminosa desviava recursos públicos e lavava dinheiro proveniente de contratos da prefeitura e da Fundação ABC com empresas nas áreas de obras, saúde e manutenção, entre outras.
O grupo era formado por três núcleos: empresarial, de agentes políticos, de operadores financeiros e articuladores governamentais.
O principal operador financeiro do esquema, de acordo com a PF, é Paulo Iran Paulino Costa, responsável pela arrecadação e pela distribuição dos valores pagos pelas empresas à administração municipal.
Auxiliar legislativo no gabinete do deputado Rodrigo Moraes (PL), Paulo Iran teve a prisão decretada pela Justiça e está foragido. No mês passado, os policiais encontraram R$ 14 milhões no apartamento e no carro dele.
O servidor Antonio Rene da Silva Chagas, diretor de Departamento na Secretaria de Coordenação Governamental em São Bernardo, também é peça fundamental no esquema e atuava, segundo a investigação, com Paulo Iran na arrecadação e no repasse dos recursos.
Dinheiro apreendido pela Polícia Federal com servidor da Alesp no dia 7 de julho
Divulgação/PF
Comunicação
A PF descobriu o esquema a partir da troca de mensagens de celular entre Paulo Iran, Antonio e outros investigados, e de anotações sobre o fluxo de caixa clandestino em “post-its”.
Nessas conversas, para dificultar o rastreamento da origem do dinheiro, eles usavam códigos e apelidos, como “lixo” e “saúde”, para ser referir às empresas envolvidas no esquema ou ao tipo de serviço prestado à prefeitura.
Veja o significado de outros termos adotados pelos investigados, segundo a apuração da PF:
Americanos: dólares;
Kilos: milhares de reais;
Zana ou Rosana: primeira-dama Rosangela dos Santos Lima Fernandes;
Bibi: filha do prefeito, Gabriele dos Santos Lima;
Rene ou Renegade: servidor Antonio Rene da Silva Chagas;
Chefe: Marcelo Lima.
Os servidores públicos também se comunicavam por celulares diferentes: um aparelho pessoal, para assuntos do dia a dia, e outro “clandestino”, para conversar sobre os recursos desviados e falar com os empresários envolvidos no esquema.
Era nas conversas pelo aparelho clandestino que Paulo Iran e Antonio usavam os códigos e apelidos, ou seja, não usavam os próprios nomes.
“Nesses diálogos e anotações, são frequentemente empregados códigos, apelidos e referências veladas a nomes de pessoas físicas e jurídicas, dificultando a rastreabilidade das operações”, explica o delegado Daniel Penido Brito na representação enviada à Justiça.
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Marcelo Lima (Podemos) participa de debate do g1 entre candidatos à Prefeitura de São Bernardo
Fábio Tito/g1
Pagamento de despesas pessoais
Além de ser o principal operador financeiro do esquema, a PF afirma que Paulo Iran organizava, controlava e efetuava o pagamento de despesas pessoais do prefeito, da primeira-dama e da filha deles, como despesas do cartão de crédito, conta de telefone e mensalidades da faculdade de medicina da filha.
Segundo a investigação, Marcelo Lima — que foi vice-prefeito do antecessor, Orlando Morando (PSDB), por dois mandatos — mantinha uma vigilância constante sobre entradas e saídas de recursos e orientava Paulo Iran a “anotar tudo para o posterior acerto”.
Em uma troca de mensagens, o servidor confirma ter pago a mensalidade da faculdade da filha de Marcelo Lima, no valor de R$ 8.284,95, ao ser questionado pelo prefeito. A despesa era nomeada no controle de fluxo de caixa como “boleto Bibi”.
Paulo Iran também atuava como auxiliar legislativo no gabinete do deputado Rodrigo Moraes (PL) desde setembro de 2022. Segundo o portal da transparência da Alesp, ele recebia R$ 6.154,51 de salário. A defesa dele informou que “aguarda acesso aos autos, onde se manifestará”.
Já o deputado afirmou na quinta (14) que o servidor será exonerado. “No meu mandato não aceito qualquer suspeita de corrupção ou conduta indevida”, declarou.
Como a PF chegou ao caso
A investigação começou após a polícia descobrir por acaso o esquema de corrupção e lavagem de dinheiro, ao encontrar cerca de R$ 14 milhões com Paulo Iran durante outra operação.
No dia 7 de julho, os policiais estavam por coincidência no prédio em que ele mora e, por um motivo não informado, resolveram abordá-lo e se surpreenderam ao descobrir R$ 14 milhões (quase R$ 13 milhões e US$ 157 mil em espécie) com ele: uma parte estava no carro e outra, no apartamento.
Na época, ele não foi preso, mas, ao longo das investigações, a Justiça decretou a prisão preventiva de Paulo Iran.
Na quinta-feira, a PF cumpriu 20 mandados de busca e apreensão e medidas de quebra de sigilos bancário e fiscal nas cidades de São Paulo, São Bernardo do Campo, Santo André, Mauá e Diadema.
As ordens judiciais foram expedidas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e incluem ainda afastamento de cargos públicos e monitoramento eletrônico de investigados.
Com o afastamento do prefeito Marcelo Lima, quem assume o comando da cidade é a vice, Jessica Cormick, do Avante. Aos 38 anos, ela é sargento da Polícia Militar e está no seu primeiro cargo público eletivo.
Na operação, batizada de Estafeta, foi preso em flagrante o empresário Edmilson Carvalho, sócio da Terraplanagem Alzira Franco Ltda., que tem contrato com a prefeitura. Na casa dele, a PF apreendeu R$ 400 mil.
Dinheiro apreendido pela PF nesta quinta-feira (14), em endereços ligados a empresários e servidores que participavam do esquema de corrupção em São Bernardo do Campo (SP).
Montagem/g1/Reprodução/TV Globo
Também foi preso Antonio Rene da Silva, que é servidor da Prefeitura de São Bernardo e atua como Diretor de Departamento na Secretaria de Coordenação Governamental.
O atual presidente da Câmara Municipal da cidade e primo do prefeito, vereador Danilo Lima Ramos (Podemos), também é alvo de buscas pela polícia, assim como o suplente de vereador Ary José de Oliveira (PRTB).
Os envolvidos poderão responder por organização criminosa, lavagem de dinheiro, corrupção passiva e corrupção ativa.
Procurada, a prefeitura afirmou que irá colaborar com a investigação. “A gestão municipal é a principal interessada para que tudo seja devidamente apurado. Reforçamos que o episódio não afeta os serviços na cidade”, disse a administração.
O g1 também tenta localizar a defesa dos demais investigados.
Prefeito de São Bernardo do Campo é alvo de operação da PF