
Governo estuda acabar com obrigatoriedade de autoescola
Desde que o ministro dos Transportes, Renan Filho, anunciou o plano do governo federal de por fim à obrigatoriedade de aulas em autoescolas para obter a Carteira Nacional de Habilitação (CNH), especialistas discutem se será possível aprender a dirigir por outros meios antes dos exames teórico e prático.
O debate ganhou força devido ao custo atual das autoescolas, que varia de R$ 3 mil a R$ 4 mil. No início de agosto, o presidente da Associação Nacional dos Detrans (AND), Givaldo Vieira, reuniu-se com o ministro para discutir alternativas ao modelo tradicional de formação de condutores.
Após o encontro, Vieira concedeu entrevista à GloboNews, em que expressou preocupação com os impactos da proposta na segurança viária e destacou o alto custo da CNH.
“[Esse custo] exclui pessoas, limita o número de profissionais para o mercado, e coloca nas ruas pessoas não habilitadas que conduzem veículos. […] Por isso, a AND faz a CNH social, pagando a habilitação para milhares de pessoas”, explicou.
Diante do número elevado de condutores sem habilitação, Vieira defende mudanças no modelo atual de formação e propõe uma ampla reforma nas regras de instrução. “Existem muitas exigências desnecessárias que tornam o processo mais caro, lento e burocrático.”
Mas será possível simplesmente eliminar a exigência das autoescolas sem prejuízo à segurança no trânsito? O g1 procurou um especialista no tema.
O que diz o especialista?
O presidente do Observatório Nacional de Segurança Viária, Paulo Guimarães, discorda que essa seja a melhor solução. Para ele, a formação de condutores é um dos pilares da segurança no trânsito e não pode ser negligenciada.
“Não é apenas ensinar a passar na prova ou guiar o carro. Trata-se de preparar alguém para lidar com situações reais e tomar decisões seguras. Retirar a obrigatoriedade das aulas sem um modelo alternativo eficiente pode comprometer a qualidade da formação”, afirmou Guimarães.
Embora a proposta possa reduzir o custo da CNH, os riscos são claros: “Mais motoristas despreparados, mais acidentes e dificuldade para manter um padrão de qualidade. No trânsito, a consequência de uma má decisão pode ser irreversível”, alertou.
Segundo ele, tirar a obrigatoriedade das aulas pode:
✅ Reduzir a burocracia;
✅ Diminuir o custo para obtenção da licença;
❌ Levar motoristas despreparados às ruas;
❌ Aumentar o número de acidentes.
Por isso, antes de eliminar a exigência de frequentar autoescolas é necessário estruturar um sistema eficiente de formação. “Precisamos modernizar o processo e criar alternativas seguras. Apenas retirar a obrigatoriedade não resolve — pode até piorar”, afirmou.
Ele defende que a exigência aumente, e não diminua. “O segredo está em provas teóricas e práticas mais rigorosas, examinadores bem treinados, uso de tecnologia para registrar as aulas e auditorias constantes. Não basta ter uma prova final: é preciso garantir que todo o processo seja sério e transparente”, disse.
Segundo o Observatório, a formação ideal deve seguir oito passos:
Tornar o conteúdo mais prático e realista;
Preparar o condutor para diferentes condições;
Manter um núcleo mínimo de aulas obrigatórias;
Atualizar o conteúdo com novos métodos e tecnologias;
Rediscutir o uso de simuladores;
Investir em direção defensiva;
Ensinar a convivência com ciclistas, motociclistas e pedestres;
Criar um sistema progressivo de habilitação.
“Esse modelo já funcionou em países com bons resultados. Oferecer conteúdos e metodologias que aprimorem a percepção de risco e a autoavaliação dos condutores faz com que os motoristas tomem decisões mais seguras”, concluiu.
Como tirar a CNH
Arte/g1
O que diz a Senatran?
Na tarde da última quinta-feira (13), Givaldo Vieira e o secretário nacional de Trânsito, Adrualdo Catão, se reuniram para debater os próximos passos da proposta.
Em nota enviada ao g1, a AND informou que ainda não há definições sobre mudanças na formação de condutores, mas confirmou que haverá uma consulta pública. Confira a íntegra:
“Na data de hoje, a AND, acompanhada por presidentes e representantes de Detrans de diversos estados, esteve na sede da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) para conhecer, na íntegra, as propostas divulgadas na imprensa. Durante o encontro, os Detrans apresentaram questionamentos técnicos e operacionais, além de solicitar esclarecimentos sobre os impactos das alterações previstas.
Os Detrans solicitaram a proposta, e a Senatran se comprometeu a enviá-la no prazo de 15 dias, antes da realização da consulta pública. Após o recebimento do inteiro teor, os Detrans irão avaliar tecnicamente o conteúdo, a fim de se posicionarem.”
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Mais que a metade dos donos de moto no Brasil não possui CNH
Um estudo da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), divulgado em setembro do ano passado, revelou que mais da metade dos proprietários de motocicletas no Brasil não possui CNH de categoria A.
O Brasil conta com 34,2 milhões de donos de motocicletas, motonetas e ciclomotores. Destes, 17,5 milhões não são habilitados para pilotá-los — ou seja, 53,8% dos proprietários não poderiam estar rodando com suas motos.
Entre os habilitados com categoria A, a maioria (61%) não possui uma motocicleta própria. Em resumo: a maior parte dos proprietários de moto não tem CNH, e a maioria dos habilitados não possui moto.
Governo diz que autoescolas são muito caras
Governo avalia fim de autoescola obrigatória para baratear preço da CNH, diz Renan Filho
Em entrevista à GloboNews, o ministro Renan Filho destacou que o custo elevado — entre R$ 3 mil e R$ 4 mil — tem levado milhões de brasileiros a dirigir sem habilitação.
“Qual o problema do Brasil? É que a gente tem uma quantidade muito grande de pessoas dirigindo sem carteira porque ficou impeditivo tirar uma carteira no Brasil. Entre R$ 3 mil e R$ 4 mil. O cidadão não aguenta pagar isso”, afirmou o ministro.
“Quando o custo de um documento é impeditivo, o que acontece? A informalização. As pessoas dirigem sem carteira. E esse é o pior dos mundos porque o nível da qualificação. (…) Isso aumenta o risco para ela, aumenta o risco de acidentes.”
Segundo o ministro, o governo estuda formas de reduzir ao máximo o custo da CNH, permitindo que mais pessoas possam se qualificar e obter o documento.
Renan Filho afirmou que cerca de 20 milhões de brasileiros dirigem sem habilitação atualmente, e outros 60 milhões têm idade para obter a CNH, mas ainda não possuem o documento. “A pesquisa que fizemos apontou o custo como o principal motivo”, disse.
Como fica o risco de acidentes?
‘O grande problema é que as pessoas já dirigem sem carteira’, diz Renan Filho
Ao ser questionado sobre o risco de acidentes com a flexibilização da exigência, o ministro afirmou que os cursos continuarão disponíveis, ministrados por instrutores qualificados e supervisionados pela Senatran e pelos Detrans.
“O grande problema é que as pessoas já dirigem sem carteira. (…) E se você for olhar, por exemplo, as pessoas que compram moto, 40% delas, quando a gente faz um cruzamento entre o CPF de quem comprou e se ele tem ou não habilitação, não possuem habilitação”, disse.
“Se as pessoas dirigem sem curso algum, a gente está propondo garantir cursos para que as pessoas melhorem, tenham mais qualificação na hora de dirigir.”
Renan Filho também destacou as desigualdades sociais no acesso à CNH, afirmando que, em muitos casos, as mulheres são excluídas do processo de habilitação.
“Se a família tem dinheiro para tirar só uma carteira, muitas vezes escolhe tirar a do homem. A mulher fica inabilitada justamente por essa condição.”
Máfias das autoescolas
Facilitar a vida do cidadão tira o incentivo econômico para criação de máfias da CNH, diz Renan Filho
Renan Filho também criticou o modelo atual, que, segundo ele, favorece a atuação de máfias em autoescolas e nos exames. “É tão caro que não basta a pessoa pagar uma vez o preço alto. Quem pode pagar, muitas vezes, é levado a ser reprovado para ter que pagar de novo”, afirmou.
“O que que acaba com isso? Desburocratizar, baratear, facilitar a vida do cidadão tira o incentivo econômico para criação dessas máfias.”
Segundo o ministro, o Brasil emite entre 3 e 4 milhões de CNHs por ano. Com os preços atuais, isso representa um gasto anual entre R$ 9 bilhões e R$ 16 bilhões para a população.
“Se isso for barateado, esse dinheiro vai para outros setores da economia, (…) que geram empregos competindo internacionalmente. Isso ajuda a economia brasileira a se dinamizar.”
Como colocar em vigor?
Facilitar a CNH deve incentivar a formação de motoristas profissionais, diz Renan Filho
Questionado sobre a necessidade de aprovação legislativa, o ministro afirmou que a proposta pode ser colocada em prática por meio de regulamentação, sem passar pelo Congresso.
“Não precisa passar pelo Congresso essa parte da modificação. Construímos um projeto que pode funcionar a partir daquilo que o próprio governo pode fazer. Não vamos mexer em leis profundamente.”
Para Renan Filho, a proposta configura apenas uma mudança regulatória. “A gente acredita que a gente pode, por meio da regulamentação das normas, facilitar, desburocratizar para o cidadão, que o que certamente facilita o debate político.”
O ministro também afirmou que a medida deve incentivar a formação de trabalhadores, permitindo o acesso antecipado a vagas que exigem carteiras de habilitação profissional.
“Condutores de ônibus, de caminhões, de vans de transporte, essas pessoas precisam ter uma carteira que não é essa que a gente está discutindo. A gente está discutindo a carteira A e B. (…) E, se as pessoas tiverem mais cedo, elas vão ter condição de acessar com mais facilidade o mercado de trabalho, é, de garantir melhoria na sua própria vida.”