Cícero recolhe estilhaços existenciais para moldar canções de apartamento do álbum ‘Uma onda em pedaços’


Cícero canta com Duda Beat em uma das dez músicas autorais do sexto álbum de inéditas do artista, ‘Uma onda em pedaços’
Lucas Vaz / Divulgação
♫ OPINIÃO SOBRE DISCO
Título: Uma onda em pedaços
Artista: Cícero
Cotação: ★ ★ ★
♬ Sem mostrar música nova desde março de 2023, mês em que lançou o avulso single Longe com mix de piseiro com surf rock, Cícero amplia o repertório autoral com a edição do sexto álbum de músicas inéditas, Uma onda em pedaços, posto no mundo em 6 de agosto.
No álbum, o cantor e compositor carioca Cícero Rosa Lins continua apegado ao universo particular que descortinou há 14 anos com a edição do primeiro álbum, Canções de apartamento, disco cultuado pela atmosfera cool e lo-fi que deu o tom de repertório autoral de tom angustiado.
O tempo passou, mas nada mudou tanto assim. Apenas as angústias são outras. Tanto que a capa do álbum Uma onda em pedaços flagra Cícero em um habitat em decomposição ou, em hipótese mais otimista, em processo de reconstrução.
Sete meses após rever o próprio cancioneiro com moldura orquestral no álbum Concerto 1 (2025), lançado em janeiro, o artista apresenta safra autoral composta por dez músicas inéditas e surpreende no elegante flerte com o clima da bossa nova em Lucille, primeira música escrita por Cícero em inglês.
Trata-se do primeiro conjunto de músicas inéditas do artista desde o repertório de Cosmo (2020), álbum lançado há cinco anos com cancioneiro de introspecção contrastante com a busca por sonoridade mais expansiva.
Com dez músicas compostas solitariamente por Cícero, também o produtor musical do álbum mixado por Victor Rice e masterizado por Carlos Freitas, Uma onda em pedaços é disco que esboça variedade rítmica sem jamais deixar de estar afim com a estética em tons pastéis do som de Cícero, moldado para quem se deixa levar pela maré cool que domina parte da música brasileira produzida na esfera pop indie no século XXI.
Se Pássaro nave inventaria os anseios do artista nos últimos cinco anos, soando como carta de intenções de Cícero em 2025, Mente voa dá rasante na cadência de um rap leve. Já Sem dormir junta Cícero com Duda Beat em faixa com sutil toque nordestino no beat de Tomás Tróia.
A pegada nordestina reverbera mais vívida no arranjo de Dia vai, canção gravada pelo artista com Tori. Ela disse cai em certo suingue no embalo dos sopros enquanto Ausência sublinha o refinamento dos arranjos, turbinando sensação perceptível desde a primeira faixa.
Em Meu amigo Harvey, faixa que versa sobre a desconexão humana em tempos digitais, com direito a sample da obra do compositor alemão Johannes Brahms (1833 – 1897), o álbum deixa a impressão de que o invólucro da música é mais sedutor do que a composição em si.
Contudo, no geral, entre músicas como Tranquilo, gravada com Vovô Bebê (baixista do disco), o álbum Uma onda em pedaços reafirma a honestidade e a beleza específica da música de Cícero, artista sempre às voltas com a própria onda e de, certa forma, enclausurado no mesmo apartamento em que emergiu como uma das revelações da música brasileira em 2011.
Capa do álbum ‘Uma onda em pedaços’, de Cícero
Lucas Vaz
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