
Voepass: relembre a trajetória da companhia até a cassação do registro na Anac
Ao longo de três décadas, a Voepass trocou aeronaves e o nome, se destacou na aviação regional e enfrentou crises, mas nenhuma foi pior que a resultante do desastre aéreo que matou as 62 pessoas a bordo do avião ATR 72-500 em Vinhedo (SP), em 9 de agosto de 2024.
As dificuldades técnicas e financeiras se agravaram não só com a elevação de dívidas e ações trabalhistas. Com a tragédia, também aumentaram os questionamentos sobre a capacidade operacional da empresa, que teve o registro cassado em definitivo em junho deste ano pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
Um ano após o desastre, a companhia perdeu a parceria com a Latam que representava a maior parte do faturamento, tentou aprovar, sem o resultado esperado, um novo processo de recuperação judicial e sofreu sanções da Anac que a impedem de voltar a operar viagens.
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Este conteúdo integra a cobertura especial do g1 sobre a queda do voo 2283. Na semana em que o desastre completa um ano, reportagens em texto e infográficos resgatam a identidade das vítimas e detalham os desdobramentos da investigação sobre a maior tragédia aérea do país desde 2007.
Como parte dessa cobertura, o g1 lançou na quarta-feira (6), em parceria com a EPTV, afiliada da TV Globo, o documentário “81 segundos” (ASSISTA AQUI), que retrata o impacto da tragédia nas famílias de algumas das 62 vítimas.
O nome do filme remete ao tempo que a aeronave levou para atingir o solo após perder o controle. A produção está disponível também no globoplay.Veja o trailer abaixo.
’81 segundos’: assista ao teaser do documentário sobre a tragédia aérea em Vinhedo
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De Passaredo a Voepass: uma breve cronologia
Imagens de uma das primeiras aeronaves utilizadas pela Passaredo, futura Voepass, de Ribeirão Preto (SP).
AcervoEP
✔A entrada no mercado de aviação (1995): Quase duas décadas depois de começar no transporte rodoviário em São José dos Campos (SP), José Luiz Felício iniciava as operações da Passaredo Transportes Aéreos com aviões modelo Embraer Brasília e, posteriormente, com aeronaves Airbus A310, com as quais chegou a fretar voos para o Nordeste e o Caribe.
✔A suspensão das atividades (2002): Com a desvalorização cambial nos anos seguintes ao Plano Real e o aumento no preço do combustível, a Passaredo interrompeu operações e só voltou em 2004, com jatos Embraer 145.
✔A aquisição dos ATRs (2012): Oito anos após a retomada, a companhia anunciou o investimento de R$ 450 milhões em aeronaves turbo-hélice ATR-72. O argumento foi de que, embora fossem mais lentas que a média, elas tinham um melhor custo operacional para voos regionais, de até 500 quilômetros.
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✔A primeira recuperação judicial (2012): Dívidas estimadas em R$ 150 milhões levaram a um primeiro processo de recuperação aprovado em 2013 e encerrado em 2017.
✔A parceria com a TAM (2014): Ainda em recuperação, a empresa firmou com a futura Latam um acordo de codeshare, ou seja, de venda compartilhada de passagens, que mais tarde foi determinante para o faturamento da companhia.
✔A compra da MAP e a mudança de nome (2019): Em agosto daquele ano, a empresa operava em cerca de 10 estados quando comprou 100% das ações da empresa de Manaus (AM) e adotou “Voepass” como nome comercial. A companhia conseguiu novas cotas em Congonhas, assumiu operações no norte do país e expandiu voos para destinos como Ponta Grossa (PR).
Aeronave da Passaredo
Passaredo/Divulgação
✔A pandemia (2020): a companhia atendia 46 destinos até março daquele ano, quando a Covid levou à adoção de férias coletivas, jornadas reduzidas e licenças remuneradas em um acordo sindical que foi criticado. O período também foi marcado pelo adoecimento do presidente, José Luiz Felício Junior, que chegou a ficar intubado por mais de duas semanas.
✔Renovação do codeshare e planos de expansão (2020-2024): após a retomada gradual, em 2023 a Voepass renovou o codeshare com a Latam e transportou mais de 500 mil passageiros para 37 destinos, com 0,5% do mercado doméstico. Além disso, planejava expandir voos em estados como Bahia e Minas Gerais, além do Distrito Federal.
Avição da Voepass em Fernando de Noronha
Ana Clara Marinho/TV Globo
O que aconteceu com a Voepass após o desastre
Os guichês vazios, sem computadores e descaracterizados, além das aeronaves paradas no Aeroporto Leite Lopes, em Ribeirão Preto (SP), são a evidência mais visível do que aconteceu com a empresa depois do desastre de 9 de agosto de 2024.
Um ano depois da tragédia, uma série de desdobramentos levou ao agravamento das finanças da Voepass e ao fim definitivo das operações. Os principais acontecimentos a partir de então foram relacionados a:
fim da parceria com a Latam;
inspeções e sanções da Anac;
aumento das dívidas e recuperação judicial;
investigações sobre o desastre aéreo.
Escombros de avião em Vinhedo (SP)
Nelson Almeida/AFP
Fim da parceria com a Latam
Um dos desdobramentos mais imediatos veio da Latam que, em janeiro de 2025, comunicou a extinção unilateral do contrato de codeshare por justa causa, e o encerramento das atividades em parceria no prazo de seis meses.
Isso resultou na ausência de repasses mensais da ordem de R$ 35 milhões para a manutenção das aeronaves.
Voepass fechada no aeroporto de Ribeirão Preto
Marcelo Moraes / EPTV Ribeirão
Inspeções e sanções da Anac
As investigações sobre a queda em Vinhedo levaram a novas inspeções da Anac – que já havia aplicado R$ 4,4 milhões em multas por irregularidades desde 2014. Essa operação assistida apontou falhas graves de segurança, que primeiro repercutiram na suspensão provisória de todos os voos, a partir de 11 de março de 2025.
Em junho, a agência constatou a incapacidade da Voepass em corrigir irregularidades e cassou em definitivo o certificado de operador aéreo (COA). A cassação oficializou o fim das atividades aéreas da companhia de Ribeirão Preto.
Na conclusão, a Anac informou que a empresa havia realizado 2,6 mil voos sem manutenção adequada após a tragédia em Vinhedo e também determinou a redistribuição das cotas de pousos e decolagens da companhia no Aeroporto de Congonhas, um dos mais importantes de sua operação.
Hangar da Voepass em Ribeirão Preto (SP).
Sergio Oliveira/EPTV
Aumento de dívidas e recuperação judicial
As finanças da empresa, que já apresentavam problemas como pagamentos pendentes do período da pandemia e o acúmulo de ações trabalhistas, ficaram ainda piores após o desastre em Vinhedo. As dívidas são da ordem de R$ 400 milhões, além de US$ 32,5 milhões com credores internacionais.
Diante desse cenário, a companhia começou a demitir funcionários e passou a adotar medidas judiciais para tentar reverter a crise. A principal foi anunciada em abril, quando a Voepass entrou com um pedido de recuperação judicial.
A Justiça, no entanto, autorizou a recuperação de apenas três das cinco empresas ligadas ao grupo, que atuam com administração de hangares, mas não com o transporte aéreo. A justificativa dada pelas autoridades foi de que não há como se recuperar uma atividade – no caso os voos – que já está inexistente.
Aeronaves da Voepass no Aeroporto Leite Lopes, em Ribeirão Preto (SP).
Marcelo Moraes/EPTV
Investigações sobre o desastre aéreo
Outro desdobramento está relacionado às investigações sobre o desastre aéreo. Além do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) da Força Aérea Brasileira, o caso é investigado pela Polícia Federal, que tem o objetivo de responsabilizar criminalmente os responsáveis diretos pela tragédia.
Nenhuma suspeita foi antecipada pelas autoridades. No entanto, relatos que chegaram ao conhecimento delas sugerem falhas na rotina de manutenção das aeronaves e a suspeita de que a companhia sabia, mas não reportou oficialmente para a manutenção uma pane no sistema de degelo da aeronave horas antes do voo 2283.
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O que diz a Voepass
A Voepass não deu entrevista nem comentou especificamente sobre os problemas alegados pelo ex-funcionário. Em nota, a empresa informou que sempre priorizou a segurança de suas operações dentro de normas internacionais e que, em mais de 30 anos de história, nunca havia tido um desastre aéreo. Confira, na íntegra, as notas enviadas pela empresa:
Nota 1
No dia 9 de agosto de 2024, vivemos o episódio mais difícil de nossa história. A queda do voo 2283, na região de Vinhedo (SP), resultou em perdas irreparáveis. Um ano depois, seguimos solidários às famílias das vítimas, compartilhando uma dor que permanece presente em nossa memória. Em mais de 30 anos de operações na aviação brasileira, jamais havíamos enfrentado um acidente.
A tragédia nos impactou profundamente e mobilizou toda a nossa estrutura, humana e institucional, para garantir apoio integral às famílias, nossa prioridade. Nas primeiras horas após o acidente, formamos um comitê de gestão de crise e trouxemos profissionais especializados — psicólogos, equipes de atendimento humanizado, autoridades públicas, seguradoras, além de suporte funerário e logístico.
Temos atuado de forma transparente junto às autoridades públicas e seguimos fortemente dedicados a resolução das questões indenizatórias o quanto antes, neste aspecto com estágio bastante avançado das indenizações restantes. Mantemos o suporte psicológico ativo e continuamos apoiando homenagens realizadas pelas famílias ao longo deste ano. Nos solidarizamos com toda a forma de homenagem às vítimas do acidente.
Sobre a apuração das causas do acidente, reiteramos nossa confiança no trabalho do CENIPA, com o qual temos colaborado desde o início das apurações, e reforçamos que a investigação de um acidente aéreo é um processo complexo, que envolve múltiplos fatores e requer tempo para ser conduzida de forma adequada. Somente o relatório final do CENIPA poderá apontar, de forma conclusiva, as causas do ocorrido. Cabe lembrar que o relatório preliminar divulgado pelo órgão em setembro de 2024 confirmou que a aeronave do voo 2283 estava com o Certificado de Verificação de Aeronavegabilidade (CVA) válido, e com todos os sistemas requeridos em funcionamento. A atuação da empresa esteve sempre pautada em padrões de segurança internacionais, contando inclusive com a certificação IOSA, um requisito de excelência operacional emitido apenas para empresas auditadas IATA, além de ter o acompanhamento periódico da ANAC como agência reguladora. Em três décadas de atuação, em um setor altamente regulado, a segurança dos passageiros e da tripulação sempre foi a prioridade máxima da companhia.
Agimos sempre com responsabilidade, humanidade e empatia. Nossa solidariedade permanece firme e com respeito e sensibilidade a dor dos familiares das vítimas, e com toda a sociedade brasileira.
Nota 2
A VOEPASS informa que sempre atuou cumprindo com exigências rigorosas dedicadas a garantir a segurança das suas operações aéreas, e reitera que sua frota sempre esteve aeronavegável e apta a realizar voos. A atuação da empresa esteve sempre pautada em padrões de segurança internacionais, contando inclusive com a certificação IOSA, um requisito de excelência operacional emitido apenas para empresas auditadas IATA, além de ter o acompanhamento periódico da ANAC como agência reguladora. Em 30 anos de atuação, em um setor altamente regulado, a segurança dos passageiros e da tripulação sempre foi a prioridade máxima da companhia.
Cabe lembrar que o relatório preliminar do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA), divulgado em setembro de 2024, confirma que a aeronave do voo 2283 estava com o Certificado de Verificação de Aeronavegabilidade (CVA) válido e com todos os sistemas requeridos em funcionamento.
Por fim, a empresa reitera sua confiança no trabalho do CENIPA, com o qual tem colaborado desde o início das apurações, e reforça que a investigação de um acidente aéreo é um processo complexo, que envolve múltiplos fatores e requer tempo para ser conduzida de forma adequada. Somente o relatório final do CENIPA poderá apontar, de forma conclusiva, as causas do ocorrido.
O que diz a Anac
Em nota, a Anac informou que, em função do desastre aéreo, iniciou procedimentos que, posteriormente, levariam à cassação do registro de operações da Voepass. Primeiro, a agência realizou uma operação assistida, com o intuito de garantir a continuidade das atividades da empresa, com segurança.
As fiscalizações, no entanto, levaram ao apontamento de irregularidades que primeiro resultariam na redução da malha da empresa. “O entendimento da Anac foi o de que a redução do escopo de atuação da companhia poderia viabilizar um esforço concentrado nas melhorias necessárias.
Depois, no entanto, a constatação de que as irregularidades eram reiteradas e não corrigidas mesmo após serem cobradas pela Anac e a impossibilidade de seguir com uma operação assistida permanente levaram à suspensão dos voos em março.
“Ocorreu, assim, uma quebra de confiança devido a evidências de que os sistemas da empresa perderam a capacidade de dar respostas à identificação e correção de riscos da operação aérea, conforme exigem as normas da Anac.”
A agência reitera que essa decisão não tem relação direta com o desastre de 9 de agosto, mas sim com problemas encontrados na fiscalização.
“A suspensão decorreu exclusivamente da constatação, por parte da Anac, de que a empresa não mais se encontrava apta a garantir a gestão da segurança de suas operações sob os requisitos dos regulamentos de aviação civil vigentes.”
A Anac ainda comunica que, ao detectar falhas graves e persistentes, não corrigidas pelo controle interno da empresa, decidiu cassar em definitivo o certificado de operador aéreo da companhia.
“A falha na realização da inspeção extra, em diversos itens e em diversas aeronaves, foi considerada evidência de que o sistema de supervisão da companhia se degradou a ponto de ter comprometido a capacidade de atuação preventiva da empresa.”
Avião da Voepass na pista do Aeroporto Leite Lopes, em Ribeirão Preto (SP)
Marcelo Moraes/EPTV
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