Ave que fez rasante em moradores de Santos não representa perigo, afirma biólogo


Casal de gaviões-asa-de-telha acasalando no Canal 3, em Santos
Leonardo Casadei
Nos últimos dias, uma ave de rapina tem sido foco do debate em Santos (SP): o gavião-asa-de-telha (Parabuteo unicinctus). Embora tenha sido associado a supostos “ataques” contra pessoas, o biólogo e ornitólogo Leonardo Casadei ressalta que é preciso troca o medo por conhecimento.
“O gavião não é um vilão. Ele é um animal belo, necessário para nós. Seu trabalho nas cidades é importantíssimo”, afirma Casadei.
Originário de habitats campestres e manguezais, o gavião-asa-de-telha tornou-se uma ave cosmopolita, hoje bem adaptada às áreas urbanas, como Santos. No estado de São Paulo, a espécie foi redescoberta em 2015 no Vale do Paraíba após 115 anos sem registros.
“A cidade de Santos oferece árvores altas, ideais para abrigo e nidificação, além de uma grande oferta de presas, como pombos-domésticos e ratos. Ao se alimentar desses animais, o gavião-asa-de-telha contribui para o controle de pragas que podem transmitir doenças. A espécie já faz parte da paisagem santista há mais de 20 anos”, explica Casadei.
Originário de habitats campestres e manguezais, o gavião-asa-de-telha tornou-se uma ave cosmopolita, hoje bem adaptada às áreas urbanas, como Santos
Leonardo Casadei
Sobre a espécie
O gavião-asa-de-telha é uma ave accipitriforme da família Accipitridae. Também é conhecido por outros nomes populares, como gavião-de-asa-castanha, urubiúna, caçador-do-cerradão e gavião-escuro.
Seu nome científico vem do grego e latim e pode ser traduzido como: “ave próximo do gênero Buteo com faixa” ou “ave parecida com urubu com faixa” – referência à faixa branca em sua cauda escura.
O gavião-asa-de-telha também é conhecido por gavião-de-asa-castanha, urubiúna, caçador-do-cerradão e gavião-escuro
Leonardo Casadei
Com 48 a 56 cm de comprimento e envergadura de até 115 cm, o macho pesa cerca de 725g e a fêmea entre 834g e 1047g. As fêmeas são maiores, embora tenham plumagem semelhante à dos machos.
A espécie possui corpo castanho-escuro, com asas e coxas em tom castanho-avermelhado, cauda com extremidade branca e penas cloacais claras.
O animal ocorre desde o sul dos Estados Unidos até a Terra do Fogo, e está amplamente distribuído no Brasil, tendo os nossos indivíduos plumagem mais clara que os da América do Norte.
O gavião-asa-de-telha é uma ave bastante arisca e geralmente evita a aproximação de humanos
rodrigo_lazaro/iNaturalist
Sua alimentação inclui pequenos vertebrados e insetos grandes, podendo capturar presas do tamanho de uma codorna, frango-d’água ou coelho. Já foram encontrados restos de gambás, pombas, ratos do mato, pequenas garças e cobras entre suas presas.
É considerada uma ave bastante arisca, que geralmente evita a aproximação de humanos, por isso ataques não são comuns.
O caso de 3 de julho
Em 3 de julho de 2025, uma mulher caminhava pela esquina das ruas Minas Gerais com Washington Luiz, no bairro Boqueirão – área próxima aos canais – quando foi alvo de um rasante do gavião, que resultou em um corte na cabeça.
Ela foi socorrida inicialmente por populares em um salão de beleza e encaminhada posteriormente ao atendimento médico.
Segundo Casadei, o episódio envolve um indivíduo mais territorialista, provavelmente protegendo seu ninho. O comportamento, apesar de impactante, é extremamente raro entre aves rapinantes urbanas.
“Não é um ataque. Ele não tem intenção de agredir. Estava apenas defendendo o território. E isso é raríssimo de acontecer”.
Após as reportagens sobre o caso da mulher, um homem de 30 anos afirmou ter sido atacado na mesma região do Boqueirão e precisou levar pontos na orelha.
Reprodução
A espécie costuma se reproduzir de junho a novembro, de acordo com Casadei, embora o período possa variar conforme a disponibilidade de alimento.
A fêmea põe de dois a quatro ovos, incubados por cerca de 33 a 36 dias. Os filhotes deixam o ninho por volta dos 40 dias, mas permanecem próximos aos pais por até quatro meses.
Indivíduo jovem de gavião-asa-de-telha fotografado no Orquidário Municipal de Santos
Leonardo Casadei
A reprodução pode envolver cooperação de outros indivíduos do grupo, que ajudam na alimentação e proteção dos filhotes.
Um desfecho preocupante
Após a grande repercussão do caso, um gavião-asa-de-telha foi encontrado morto em 30 de julho de 2025, nas proximidades do canal 3, mesma região dos conflitos.
Ainda não se sabe se a morte foi natural, por uma colisão com janelas, ou provocada por agressão humana. Como o animal não foi encontrado, não será possível realizar a necrópsia que poderia esclarecer a causa
A morte gerou comoção nas redes sociais, com mensagens que incentivam o extermínio da ave, o que preocupa ambientalistas e ornitólogos.
Medidas possíveis e urgentes
Casadei defende ações educativas e preventivas para evitar novos incidentes sem comprometer a integridade da espécie:
Mapeamento de ninhos em áreas urbanas;
Sinalização temporária em locais de reprodução;
Campanhas de educação ambiental para combater o medo e promover o respeito à fauna silvestre.
“Não há perigo algum. O gavião só nos traz benefícios. Devemos admirá-lo”, conclui o biólogo.
O gavião-asa-de-telha ocorre desde o sul dos Estados Unidos até a Terra do Fogo, e está amplamente distribuído no Brasil
Aisse Gaertner/iNaturalist
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