Ofensa racial em RO leva servidor a reagir com pesquisa sobre educação antirracista: ‘luta para ressignificar’


Entenda a diferença entre racismo e injúria racial
“Cortou o cabelo, agora está parecendo gente”: a frase dita dentro da biblioteca da Universidade Federal de Rondônia (Unir) para Pedro Paulo Almeida marcou o início de uma longa luta contra a injúria racial no ambiente de trabalho e também contra os impactos psicológicos causados pelo crime.
“A pessoa [acusado] tinha frases, dizia que eu não era gente, eu tinha o cabelo afro, tinha o cabelo com dreads. Ela começou a minar a minha religião com várias frases pejorativas”, relembra.
Assim como Pedro, outras vítimas de racismo e injúria racial recorreram à Justiça em Rondônia. O estado está entre os três com maior número de registros de injúria racial no Brasil. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025, a taxa é de 18,9 casos por 100 mil habitantes — atrás apenas de Santa Catarina e Distrito Federal.
🔎 A injúria racial é considerada crime e se refere a ofensas dirigidas diretamente a uma pessoa com base na cor da pele, etnia, religião ou origem.
Consequências do racismo
Pedro Paulo Almeida Martins trabalhava como bibliotecário na instituição onde o crime ocorreu. . Segundo ele, as ofensas sobre sua aparência e origem se tornaram constantes. A denúncia só veio após novos episódios e um colapso emocional.
“Entrei em depressão. Fui afastado por motivos psiquiátricos e tive crises de ansiedade por meses. Era como se minha dignidade tivesse sido roubada”, disse.
Pedro relata que, além da frase ofensiva, outros ataques incluíam intolerância religiosa. Segundo ele, as agressões continuaram mesmo após a servidora admitir parte das falas e pedir desculpas por escrito.
“Ela assumiu o que disse e pediu desculpas, porém os atos sucessivos continuaram sendo reiterados diversas vezes, e a injúria racial acabou se configurando como racismo”, afirmou.
Depois de denunciar o caso ele foi transferido para outro estado, mas conseguiu retornar a Porto Velho após decisão judicial.
Mão de um homem negro em posição de punho fechado
Reprodução/EPA
LEIA TAMBÉM:
Unir é condenada a indenizar estudante por assédio moral: ‘passou de todos os limites’
Flor do Maracujá: conheça a história da maior festa junina folclórica de Rondônia
Acidente entre carreta e pick-up deixa mortos e feridos na BR-364, em RO
Dados locais
Rondônia é o único entre os três estados mais afetados que faz parte de uma região de maioria negra. Segundo o Censo de 2022, a região Norte tem 67,2% da população parda.
Atualmente, Pedro Paulo Almeida Martins está cursando mestrado em educação e desenvolve uma pesquisa sobre práticas antirracistas em escolas e bibliotecas, com foco na formação de professores e bibliotecários como agentes de transformação social. Segundo ele, essa abordagem é essencial para combater o racismo estrutural e promover um ambiente educacional mais inclusivo e respeitoso para todos.
“O intuito é trabalhar com a educação, diretamente com os profissionais para internalizar a prática educacional e assim, com o letramento informacional antirracista, evitar as condutas discriminatórias no dia a dia”, afirma.
pesar de ter três graduações, quatro pós-graduações e estar concluindo o mestrado, Pedro diz que sofreu discriminação ao ocupar cargos de destaque.
“Um dia eu estou bem, um dia eu não estou. As feridas, as cicatrizes, elas continuam, é uma luta para ressignificar isso como pessoa. Eu não tive medo de denunciar, de expor”, declarou.
O papel da Justiça contra a injúria racial
Projetos voltados à equidade racial ajudam o Judiciário a acolher vítimas e combater desigualdades históricas, criando um sistema mais justo e representativo.
O Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO) informou ao g1 que tem implementado ações voltadas à promoção da equidade racial e à melhoria do atendimento às vítimas desses crimes. Entre as iniciativas estão a reserva de vagas para pessoas negras em cargos comissionados e contratos de prestação de serviços, além de capacitações antirracistas para servidores e magistrados.
O programa inclui bolsas de estudo para pessoas negras, banco de talentos com 149 integrantes e cursos sobre diversidade promovidos pela Escola da Magistratura de Rondônia. Nos últimos 12 meses, mais de mil servidores e 33 magistrados participaram das capacitações.
O Tribunal de Justiça de Rondônia afirma que as ações reforçam o compromisso com uma cultura antirracista e mais inclusiva. Atualmente, mais de 50% dos cargos comissionados são ocupados por pessoas pretas ou pardas. Reconhecido nacionalmente, o programa está entre os concorrentes ao prêmio Innovare.
Adicionar aos favoritos o Link permanente.