Autor e cordelista ressalta que, no mês do folclore, refletir a data é ‘preservar o passado pensando no futuro dos que vem depois de nós’


Cordelista Jesus de Burarama, de Presidente Prudente (SP)
Arquivo pessoal
O folclore é o guardião da nossa memória coletiva, gerada através da oralidade e, por meio dela, repositório de toda a tradição do povo, explicou ao g1 o escritor Renato de Jesus, que adota o pseudônimo Jesus de Burarama. Celebrado em 22 de agosto, o autor reflete a relação das pessoas com o conjunto de tradições culturais na região de Presidente Prudente (SP).
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Segundo Jesus de Burarama, “ao valorizá-lo, estamos cuidando da salvaguarda de nosso jeito de ser e de viver e levando adiante para as novas gerações o rico legado cultural construído pelos nossos antepassados”.
Ao g1, ele pontuou sobre a importância de ensinar o folclore brasileiro para as crianças.
“Dar sobrevida à nossa própria história cultural, numa época em que as novas tecnologias criam uma cultura de massa gerada, principalmente, pela influência cultural estrangeira, ameaçando substituir nossa memória coletiva pelas figuras e personagens de tradição alienígena. Dou até um exemplo: em um trabalho recente meu numa escola, ao mostrar várias figuras tradicionais de nosso folclore, ao apontar a Iara, uma criança respondeu no fundo: ‘Ariel’”, destacou Burarama.
Em uma rica gama de histórias formadas por inúmeros personagens, o autor destaca que o principal deles é o Saci.
“O único que tem sobrenome, Pererê, resgatado e popularizado há mais de 100 anos pelo nosso mestre da literatura Infantil, Monteiro Lobato, quando no seu ‘Sítio do Picapau Amarelo’ trouxe para a memória de várias gerações ele e seus parceiros, como a Cuca, Curupira, Mula Sem Cabeça, Caipora, que depois receberam a companhia do Boitatá, Iara, Lobisomem, dentre vários outros personagens do nosso folclore, como a Gralha Azul, lenda do Paraná e o Negrinho do Pastoreio, do folclore gaúcho”, citou ao g1.
Cordelista Jesus de Burarama leva o folclore caipira a escolas da região de Presidente Prudente (SP)
Arquivo pessoal
Folclore todo dia
Renato de Jesus ressaltou que o folclore não deve ser celebrado apenas no mês de agosto, mas, sim, nas coisas simples do dia a dia e, por isso, se mostram importantes para atrair o interesse das crianças para a cultura brasileira.
“Na comida gostosa que a vovó faz para seus netos, que pode virar um livro de receitas, pois quando ela faltar, não vai ter mais a comida que eles tanto gostam. Nas muitas histórias que os avôs e avós ainda têm a contar e nem são estimulados a isso, com todo o rico conhecimento que possuem passando ao longo das suas vidas, quando poderiam ser divididos e absorvidos nas novas gerações. Enfim, mostrar que na memória dos pais e avós está toda a lembrança da formação da família e eles devem conhecer melhor”, salientou ao g1.
Ele ainda destacou que, com o auxílio da tecnologia, é possível despertar o interesse dos pequenos, como a inserção dos personagens como avatares nos jogos de videogame e nas redes sociais, além de buscar incentivar novas obras de ficção.
“Apesar de ser uma ameaça, principalmente, para nossa memória coletiva, como instrumento que abre um mundo para informações novas, mas estimula mais o individualismo em detrimento da individualidade, o celular pode, sim, ser um aliado para o folclore, como disse antes, se criarmos avatares dos nossos personagens dentro do mundo digital onde nossas crianças e jovens gostam de viajar”, completou.
Como forma de também despertar o interesse dos mais novos para o folclore brasileiro, ele orienta aos educadores trazer o assunto para a rotina escolar, “mostrando que o folclore vive no nosso dia a dia, quando contamos uma piada, repassamos uma história ou versinho ouvido quando crianças, incentivando as mesmas a buscar conhecer a história da sua família, sua origem, para perceber que muito das coisas que eles vivem hoje seus pais e avós também viveram”.
Cordelista Jesus de Burarama, de Presidente Prudente (SP)
Cedidas
Cultura caipira no interior paulista
Jesus de Burarama afirmou que a cultura caipira é a principal base sócio cultural do interior paulista, do qual faz parte a região de Presidente Prudente.
“O folclore não comporta apenas mitos e lendas, mas todos os segmentos gerados dentro da formação de nosso povo, de origem essencialmente rural, como a culinária (comida caipira, mineira), danças e rituais (catira, Folia de Reis), artesanato (colcha de retalhos), música raiz e viola caipira, está o principal ícone de manutenção e preservação da nossa cultura caipira nas cidades”, explicou ao g1.
Ele pontuou que o Oeste Paulista, como uma das últimas regiões colonizadas do Estado de São Paulo, uma vez que, recentemente algumas cidades estão se tornando centenárias, a região sofreu e vive influências de várias origens etnológicas, que vieram se somar à tradição caipira, como a cultura dos imigrantes, principalmente, italianos, espanhóis e japoneses.
“Além disso temos forte presença da cultura nordestina, pelos trabalhadores que vieram para a construção das barragens das hidrelétricas, principalmente, no Pontal do Paranapanema, popularizando entre nós o forró, o Bumba Meu Boi, dentre outros, destacando ainda na comida o baião de dois e o acarajé”, afirmou Burarama.
Neste mês do folclore, Jesus de Burarama participará de atividades escolares com o projeto “Saci Pererê contra Raloím”, que leva um alerta contra a influência estrangeira nas tradições brasileiras.
“Levo nas escolas minha ‘Oficina de Literatura de Cordel Caipira’, onde, através das formas de rimas tradicionais da poesia, principalmente, a quadrinha, a mais antiga e conhecida, busco mostrar que o cordel é um grande instrumento lúdico para a criação poética e incentivo à leitura”, pontuou ao g1.
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A programação ocorre em Presidente Prudente, Regente Feijó (SP) e Teodoro Sampaio (SP). Veja o calendário de atividades:
Presidente Prudente
dias 4 e 5 de agosto: às 12h, na Escola Estadual Pastor João Carlos Padilha, no Jardim Santa Mônica;
dia 8 de agosto: às 7h, na Escola Técnica Estadual (Etec) Professor Adolpho Arruda Mello;
dia 21: às 9 hs, na Escola Estadual Antônio Fioravante de Menezes, na Vila Marina;
dia 22: às 7h, na Escola Municipal João Sebastião Lisboa, na Vila Santa Helena;
Regente Feijó
dia 6 de agosto: às 7h, na Escola Professor Ivo Liboni;
Teodoro Sampaio
dia 11: às 7h, na Escola do Assentamento Santa Zélia;
dia 12: às 7h, no Centro Cultural Maria Helena Pires;
dia 13: às 7h, na Escola Estadual Salvador Moreno;
dia 14: às 7h, na Escola Municipal José Amador;
dia 15: às 7h, na Escola Estadual João da Cruz Mellão, no distrito de Planalto do Sul
Jesus completou que as atividades em Teodoro Sampaio são complementares ao Segundo Festival Caipira do Pontal, realizado lá em junho.
No dia 17 de agosto, um domingo, às 8h, também haverá apresentação de cordel e viola no Teatro de Arena da Praça Antônio Evangelista, no Centro.
Cordelista Jesus de Burarama leva o folclore caipira a escolas da região de Presidente Prudente (SP)
Arquivo pessoal
Ativista cultural
Renato de Jesus explicou ao g1 que sua história com o folclore se iniciou em 2001, quando idealizou o Primeiro Encontro de Violeiros e Cantadores de Irapuru (SP).
“Passei a focar meu interesse na cultura caipira, com destaque à música raiz e à viola. Como não toco nem canto, em 2004, inquirido por um violeiro conhecido, me descobri um versejador, criando o que chamo de Cordel Caipira, com temas ligados à roça e ao jeito caipira de ser”, explicou.
“A base do nosso folclore vem principalmente da cultura caipira, da tradição herdada de nossos pais e avós, então, passou a ser natural abordar no meu trabalho os temas recorrentes da nossa tradição caipira, principalmente, no combate à invasão estrangeira de nosso folclore, pois, infelizmente, até escolas públicas falam hoje mais do Dia das Bruxas, o Halloween, do que de nossas lendas e mitos. Com meu projeto de cordel ‘Saci Pererê contra Raloím’ levo adiante a salvaguarda de nossas tradições, principalmente, da cultura caipira que, apesar de ser a base socioeconômica do povo paulista, até hoje não é reconhecida como Patrimônio Cultural Imaterial do Povo Paulista”, completou.
Em 2010, publicou o livro cordel “A história do Caipira, de Jeca Tatu aos Sem Terras”, baseado no livro do sociólogo Antônio Cândido, “Os parceiros do Rio Bonito”.
Em 2024, publicou seu primeiro livreto infanto-juvenil, ‘O dia em que Saci Pererê invadiu Noviorqui’, onde aborda a invasão da cultura de massa frente à nossa cultura tradicional e as mudanças climáticas, uma nova e cruel realidade que já se apresenta em relação ao nosso futuro.
Ao g1, ele definiu de onde vem o seu amor pelo folclore brasileiro.
“Folclore é tradição, buscar sua salvaguarda é preservar o passado pensando no futuro dos que vem depois de nós”, destacou.
Ele também ressaltou de onde vem o interesse em ser um ativista em defesa do folclore brasileiro.
“Por ser um ativista cultural, que percebe que se é difícil praticar cultura em nosso país, fazer cultura popular é mais difícil ainda, principalmente, quando vemos a maioria dos mestres, verdadeiros repositórios da nossa tradição, ficando velhos, morrendo e com eles sua arte e ‘sabença’, com quase ninguém surgindo para continuar seu trabalho. Somos todos uma espécie em extinção”, declarou ao g1.
Burarama compartilhou ao g1 que iniciou um novo ensaio, o qual é intitulado “O Caipira, um injustiçado”.
“Quem sabe com isso a história do caipira possa ter um final feliz”, finalizou ao g1.
Cordelista Jesus de Burarama, de Presidente Prudente (SP)
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