Dois anos da Operação Escudo: relatório revela abuso na ação policial e vingança contra jovens negros e pobres


Policiais atuaram durante Operação Escudo em Guarujá (SP)
Alexsander Ferraz/ A Tribuna Jornal Santos
Um relatório sobre a Operação Escudo, elaborado pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (GENI/UFF), em parceria com a Defensoria Pública de São Paulo, apontou o abuso de força policial durante a ação, caracterizada como vingança contra jovens negros e pobres da Baixada Santista.
A Operação Escudo foi deflagrada pela Polícia Militar do Estado de São Paulo na região em 28 de julho de 2023, completando dois anos nesta segunda-feira (28). A ação, considerada uma das mais letais da história recente do estado, deixou 28 mortos e dois feridos graves em pouco mais de um mês.
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O relatório analisou 29 Procedimentos de Investigação Criminal (PICs) e cinco ações penais. De acordo com o documento, o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) optou pelo arquivamento sem denúncia de 24 deles. Apenas quatro mortes resultaram em denúncias criminais, envolvendo oito policiais.
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) afirmou que todas as ocorrências de mortes decorrentes de intervenção policial foram “rigorosamente investigadas pela Polícia Civil, por meio do Deic de Santos, com acompanhamento da Corregedoria da Polícia Militar, do Ministério Público e do Poder Judiciário” (veja o posicionamento completo adiante).
Abuso de poder
O documento apontou a “supervalorização” dos depoimentos de policiais, além de “falhas graves na produção de provas” e um padrão de violência letal contra homens negros e vulneráveis da região.
O estudo considerou que a Operação Escudo ocorreu como forma de “vingança” pela morte de Patrick Reis, PM da Rota que foi baleado em Guarujá (SP). Além disso, foi apontada uma falta de preparo e planejamento dos batalhões envolvidos, devido a jornadas exaustivas de trabalho e à pressão feita por superiores hierárquicos sobre aqueles que estavam “sob forte impacto pela morte do colega”.
“As ações foram fruto de precário planejamento e aconteceram sem qualquer ação prévia de inteligência para a definição de objetivos precisos, como indivíduos por quem procurar ou locais específicos a serem vasculhados”, destacou o estudo.
PMs atuaram de 28 de julho a 5 de setembro na Operação Escudo em Guarujá, SP, que resultou em 28 mortes
Divulgação/PM
Perfil das vítimas
O estudo traçou um perfil das vítimas: homens, com média de 30 anos e 66,7% negros. Além disso, a maioria (77,7%) tinha antecedentes criminais, sendo que “houve depoimentos acusando policiais de previamente acessarem a ficha criminal de indivíduos posteriormente mortos”. Apesar disso, segundo o relatório, nenhuma diligência “visou apurar se houve consulta aos nomes”.
A análise apontou que 52,3% eram moradores das comunidades onde foram mortos, e pelo menos 20% estavam em situação de extrema vulnerabilidade — entre eles, usuários abusivos de drogas (6), pessoas em situação de rua (4) e pessoas com sofrimento mental (2).
“O direcionamento das ocorrências contra pessoas com antecedentes criminais e/ou em condições de extrema vulnerabilidade social sugerem indícios de práticas de extermínio”, pontuou o relatório.
PMs que viraram réus por homicídio durante Operação Escudo vão a júri popular
Falta de perícia
Para os pesquisadores, as investigações dos casos “se desenvolveram com base em uma inversão da lógica processual”.
O documento ressaltou que a palavra dos próprios policiais envolvidos nas ocorrências foi tratada como principal fio condutor das investigações, enquanto provas materiais e testemunhos externos foram desconsiderados ou ignorados.
A análise também apontou os seguintes pontos:
Apenas 14,7% dos casos contam com imagens válidas de Câmeras Operacionais Portáteis (COPs), uma vez que grande parte dos Batalhões envolvidos não possuía câmeras, o equipamento estava descarregado ou as imagens foram obstruídas na incursão.
Em 40% das mortes, não há indícios de que a arma atribuída à vítima tenha sido disparada;
Em dois casos, o MP-SP reconheceu que houve forjamento de provas por parte dos policiais e em um terceiro que os agentes destruíram provas que poderiam incriminá-los;
Em apenas uma ocorrência foi realizada reprodução simulada da cena.
Segundo o relatório, durante a operação os policiais dispararam 61 armas de fogo, sendo 26 fuzis, 34 pistolas e uma espingarda. Em 76,6% dos casos, houve pelo menos um agente que efetuou disparos de fuzil.
“O emprego em grande quantidade de armas com alto poder letal e a não referência à disponibilização ou uso de qualquer instrumento de menor potencial ofensivo ou de letalidade reduzida, sinaliza para o cenário de guerra e terror criado”, pontuou o documento.
Operação Escudo acontece em Guarujá após a morte do soldado da Rota
Carlos Abelha/TV Tribuna e Reprodução
Conclusões
O relatório recomendou a adoção de medidas estruturais, como: atenção a casos de vingança institucional; responsabilização da cadeia de comando; revalorização das COPs; obrigatoriedade de perícias independentes; investimento em protocolos forenses alinhados aos direitos humanos; responsabilização de agentes envolvidos em violações.
O documento foi elaborado pelos pesquisadores Cássio Thyone Almeida de Rosa, Renato Dirk, Luciana Fernandes, Carolina Grillo, Flávia Palladino, Matheus Cavalcanti Pestana, Marília Fabbro de Moraes e Thayná Maldonado Marques, sob coordenação do professor Daniel Hirata.
Câmeras corporais mostram PMs da Rota comemorando morte de homem durante a Operação Escudo
O que diz a SSP?
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP) afirmou que a Operação Escudo foi uma ação realizada para combater o crime organizado e o tráfico de drogas na Baixada Santista.
Veja o posicionamento na íntegra:
“A Operação Escudo foi uma ação realizada para combater o crime organizado e o tráfico de drogas na Baixada Santista. A operação resultou em importantes avanços no enfrentamento à criminalidade, com a prisão de 388 foragidos da Justiça, a captura de aproximadamente 600 criminosos, a apreensão de 119 armas de fogo, incluindo fuzis de uso restrito, além da retirada de cerca de uma tonelada de drogas das ruas.
Todas as ocorrências de mortes decorrentes de intervenção policial foram rigorosamente investigadas pela Polícia Civil, por meio do Deic de Santos, com acompanhamento da Corregedoria da Polícia Militar, do Ministério Público e do Poder Judiciário. As investigações contaram com a análise do conjunto probatório, incluindo imagens de câmeras corporais, e os materiais foram devidamente compartilhados com os órgãos de controle e fiscalização competentes.
A Polícia Militar é uma instituição legalista, que atua com base na Constituição e nas leis, e não tolera desvios de conduta. A Corregedoria tem papel ativo e rigoroso na apuração de eventuais irregularidades, com responsabilização dos agentes que descumprirem os protocolos operacionais ou infringirem a lei.
A atual gestão tem investido de forma contínua na formação e qualificação do efetivo, com foco na redução da letalidade, no uso proporcional da força e no combate a todas as formas de discriminação. Todos os policiais recebem formação em Direitos Humanos, com ênfase no enfrentamento ao racismo, à violência de gênero e a crimes de intolerância, além de participar de iniciativas como o Movimento Antirracista – Segurança do Futuro, em parceria com a Universidade Zumbi dos Palmares”.
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