
A obra de Charles Darwin sobre a teoria da evolução pela seleção natural mudou a maneira como pensamos sobre o mundo natural
Biblioteca da Universidade de Cambridge via BBC
Quando criança, Charles Darwin tinha o hábito de colecionar besouros. Mais tarde, aquele menino abandonou o sonho do pai de ter um filho médico se tornar naturalista. Famoso por suas observações sobre o mundo animal, Darwin também tinha curiosidade pelas plantas.
“Conhecemos Darwin principalmente por sua viagem a bordo do Beagle, suas observações acerca dos tentilhões em Galápagos e por sua teoria da seleção natural, mas suas observações botânicas não são tão conhecidas e/ou divulgadas”, explica a pesquisadora Carolina Ferreira, que estuda a biologia reprodutiva de plantas e se debruçou sobre o legado do naturalista.
Dois passarinhos de Galápagos (à direita), três espécies de tentilhões de Galápagos (canto superior esquerdo) e toutinegra amarela (dourada, abaixo à esquerda), da coleção da Estação de Científica Charles Darwin em Galápagos
SCIENCE PHOTO LIBRARY
A interdisciplinaridade também era uma marca do naturalista. “Ele partia da tão necessária descrição taxonômica ao observar a variedade de cores, formatos e recursos oferecidos pelas plantas, por exemplo, para entender como que essas características evoluíram ao longo do tempo e quais outros grupos de espécies de insetos estariam relacionados”, afirma.
Um jardim como laboratório
Darwin cresceu rodeado de plantas. Seu avô, Erasmus Darwin, também era entusiasta do mundo vegetal e chegou a escrever um livro em versos chamado “O Jardim Botânico”. “Desde criança ele já vivia num ambiente de observação da natureza”, comenta Carolina.
Mais tarde, em Cambridge, assistia às aulas do botânico John Stevens Henslow, que o recomendaria para embarcar no HMS Beagle. Durante a viagem, Darwin coletou inúmeros espécimes vegetais e suas amostras nas Ilhas Galápagos foram a base para a primeira flora conhecida do arquipélago.
Charles Darwin viveu entre 1809 e 1882
Julia Margaret Cameron / Domínio Público
Apesar disso, ele afirmava que não se reconhecia como botânico. “Talvez pelo fato de que a botânica na época era apenas voltada para a descrição com fins taxonômicos, e ele não se encaixava nesta categoria, já que gostava mais da investigação das estruturas e suas funções”.
De volta à Inglaterra, Darwin passou a usar seu jardim e estufas como verdadeiros laboratórios ao ar livre. Observava flores, testava hipóteses e fazia cruzamentos manuais. “As plantas permitiram que ele construísse hipóteses que foram testadas com observações experimentais. Isso ajudou a fundamentar as ideias que ele apresentaria em ‘A Origem das Espécies’”, diz.
A mariposa prevista por Darwin
Uma das histórias mais surpreendentes do seu legado botânico envolve uma orquídea de Madagascar: Angraecum sesquipedale. A flor tem um nectário com quase 30 centímetros de comprimento, e Darwin se perguntou quem poderia polinizá-la. A hipótese dele foi uma mariposa com uma probóscide (uma espécie de língua) tão longa quanto o nectário.
Angraecum sesquipedale é nativa da ilha de Madagascar
franky-m / iNaturalist
“Na época riram disso. Disseram que era absurdo. Mas décadas depois, encontraram a tal mariposa. E ela foi chamada de Xanthopan praedicta, ou mariposa de Darwin”, conta Carolina, com entusiasmo. “É um exemplo perfeito da capacidade preditiva da teoria da evolução.”
Flores que ensinam sobre genética
Para Carolina, um dos aspectos mais inovadores do trabalho de Darwin foi mostrar como a diversidade de formas, cores e estruturas florais não era aleatória, mas fruto de seleção natural. “Ele percebeu que essas características estavam a serviço da polinização cruzada, o que favorece o fluxo gênico entre as populações vegetais”, observa.
Esse princípio está na base de uma área inteira da botânica moderna: a biologia reprodutiva de plantas. “Estudos mostram que os frutos, sementes e até mesmo as plantas resultantes da polinização cruzada são mais vigorosos do que os que vêm da autopolinização. Darwin já tinha observado isso no século XIX.”
Autodidata e à frente do tempo
Darwin não era “formado” em botânica, mas isso talvez tenha sido uma vantagem. “Acredito que ele era livre para experimentar sem se prender aos limites acadêmicos da época. E tinha uma dedicação admirável. Fazia experimentos em casa, com instrumentos simples, e repetia testes com várias espécies”, conta Carolina.
Ela também ressalta que, hoje, apesar da ciência estar mais técnica, ainda há espaço para olhares curiosos como o de Darwin. “A ciência cidadã prova isso. Há pessoas leigas que registram plantas, animais e interações inéditas para a ciência. Plataformas como o WikiAves, por exemplo, têm ajudado pesquisadores com dados que não estavam disponíveis antes.”
Darwin College, localizada na Universidade de Cambridge (Inglaterra)
cambridge-colleges / Reprodução
A pesquisadora, aliás, aplica esse espírito darwiniano até hoje. “Durante meu mestrado, estudei plantas polinizadas por beija-flores no Cerrado. Fazia cruzamentos manuais e observava os resultados. Em muitos casos, era evidente: quando o pólen vinha de outro indivíduo, os frutos eram maiores e as sementes mais vigorosas.”
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