
Porto do Pecém é o principal ponto de escoamento das exportações do Ceará
Divulgação/Tatiana Fortes/Casa Civil
Apenas cinco dias após o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciar tarifas de 50% nos produtos brasileiros, cerca de 20 contêineres ficaram temporariamente retidos no Porto do Pecém, o principal do Ceará.
Apesar das taxas estarem previstas apenas para o dia 1º de agosto, a retenção foi um primeiro sinal preocupante para os exportadores do estado. A despeito da China ser o principal parceiro comercial do Brasil, os EUA são o principal parceiro comercial do Ceará.
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O estado vende para lá, sobretudo, produtos de aço (siderurgia), pescados, sucos, castanha e pás eólicas. Em 2024, 44,9% de todas as exportações cearenses foram para os EUA. De janeiro a junho de 2025, 51% das exportações cearenses foram para os americanos. E agora, estes produtos podem ser taxados em 50%.
Tarifas do governo dos Estados Unidos impactam economia do Ceará
🔎🤔 Como as tarifas funcionam? Essencialmente, a taxação extra é aplicada diretamente no preço do produto vendido. Assim, o comprador americano, que antes adquiria um item, por exemplo, por US$ 100, passaria a pagar US$ 150. O produto taxado perde competitividade, o que pode fazer o importador americano deixar de comprar do Ceará, e as indústrias cearenses deixariam de vender para seu principal mercado.
Com a perspectiva de enfrentar uma taxação de 50%, produtores, empresas e o governo têm incitado o governo federal a buscar uma solução diplomática para a questão, que pode afetar milhares de empregos em todo o país.
No Ceará, a situação tem causado ainda mais tensão porque nenhum outro estado brasileiro é tão dependente dos EUA quanto o Ceará – os Estados Unidos são, isolados, os maiores compradores de produtos cearenses, ainda que em volume de vendas, o estado seja apenas o décimo segundo maior exportador para os EUA.
Por que a economia do Ceará é tão interligada à dos EUA?
A resposta está no principal produto de exportação cearense: aço, ferro e semelhantes.
“Basicamente, essa ligação está vindo das exportações da siderurgia. O Ceará exporta para os Estados Unidos produtos semi-acabados, lingotes e outras formas primárias de ferro ou aço. Então, só essa parte é responsável por cerca de 76,5% das exportações do Ceará para os Estados Unidos”, explica o economista e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV), João Mário de França.
No primeiro semestre de 2025, o Ceará exportou mais de US$ 1,1 bilhão de dólares. Desse total, US$ 528 milhões foram de produtos de siderurgia, cerca de 49%. Isto é, o setor foi responsável por quase metade de tudo que o Ceará exportou de janeiro a junho deste ano.
De janeiro a dezembro de 2024, o cenário foi parecido. Neste período, os principais produtos cearenses exportados para os EUA foram:
Ferro fundido, ferro e aço (US$ 441,3 milhões);
Peixes e crustáceos, moluscos e outros invertebrados aquáticos (US$ 52,8 milhões);
Preparações de produtos hortícolas, de frutas ou de outras partes de plantas (US$ 37,2 milhões);
Calçados, polainas e artefatos semelhantes; suas partes (US$ 36,9 milhões);
Gorduras e óleos animais ou vegetais; produtos da sua dissociação; gorduras alimentares elaboradas; ceras de origem animal ou vegetal (US$ 16,7 milhões)
Com 76% das exportações direcionadas para os Estados Unidos, o setor da siderurgia é um dos mais suscetíveis ao impacto das tarifas.
Processo de produção de placas de aço na Companhia Siderúrgica do Pecém (CSP), no Ceará.
Divulgação
“O grande impacto vai surgir porque, muito provavelmente, você vai ter uma redução muito grande das exportações. Antes aquele produto chegava no mercado americano com um determinado valor e, portanto, era bastante competitivo. Agora, como ele está mais caro por essa tarifa, pode ser que não seja mais vantajoso para a economia americana comprar esse aço da indústria cearense ou outros produtos do Estado do Ceará […]. Provavelmente, o importador americano vai buscar outros mercados para que ele consiga comprar o produto mais barato”, explica João Mário de França.
Atualmente, as empresas do setor empregam diretamente cerca de 35 mil pessoas no estado, de acordo com o Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico do Ceará (SIMEC).
Uma estimativa da entidade aponta que, a curto prazo, as tarifas poderiam causar uma retração de pelo menos 10% no setor. A redução da atividade econômica, por sua vez, pode levar à suspensão de contratos, reduções de carga de trabalho e demissões.
“O impacto é claro: perda de competitividade, risco para empregos e prejuízo à nossa balança comercial. Mas é também um alerta. Precisamos fortalecer nossa indústria internamente, buscar novos mercados, e trabalhar junto ao governo por respostas diplomáticas e estruturais”, afirmou o presidente do Simec, César Barros.
Por meio de nota, o Governo do Ceará afirmou que tem se reunido com empresários dos setores mais afetados para discutir ações para mitigar os efeitos do cenário na economia do estado.
“Seguiremos trabalhando juntos, Governo e setor privado, dialogando sobre medidas para proteger a nossa cadeia produtiva, manter a competitividade das empresas do Ceará no mercado internacional e garantir os empregos gerados para os cearenses”, afirmou Elmano de Freitas.
Ceará tem maior dependência, mas não é maior vendedor
Estados Unidos são os maiores compradores de produtos cearenses
Thiago Gadelha/SVM
O Ceará é, proporcionalmente, o estado brasileiro mais dependente dos Estados Unidos para exportações. Em 2024, 44,9% dos produtos cearenses foram para lá. Em comparação, o segundo lugar, o Espírito Santo, vendeu 28,6% dos seus produtos para os EUA.
O volume de vendas do Espírito Santo em 2024, por exemplo, foi maior que o volume cearense, no entanto, o Ceará é mais dependente dos EUA, apesar de ter vendido menos, porque o país norte-americano é o principal comprador do estado e nenhum outro parceiro comercial compra produtos cearenses no mesmo volume.
Confiras a tabela abaixo:
➡️ Participação dos Estados Unidos nas exportações das 27 unidades federativas do Brasil:
Apesar da alta proporção de vendas do Ceará para os americanos, em 2024 o estado foi apenas o décimo segundo maior exportador do Brasil para os EUA. Nesse aspecto, o estado que mais vende para os EUA é São Paulo.
Em 2024, os paulistas exportaram US$ 13,6 bilhões para lá, enquanto o Ceará exportou US$ 669 milhões. Os americanos são os principais parceiros comerciais de São Paulo, responsável por comprar 19% dos produtos paulistas em 2024.
➡️ Principais estados exportadores para os EUA:
Com a iminência das tarifas, uma alternativa apontada tem sido a diversificação dos mercados compradores de produtos brasileiros. A ideia, embora bem-vinda pela indústria e pelo governo, exige tempo, podendo levar de meses a anos, enquanto o impacto das tarifas já pode ser sentido em semanas.
Os Estados Unidos são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, logo atrás da China. Mesmo que o Brasil consiga novos mercados, deve demorar para que o volume de exportações alcance o dos americanos.
Além disso, é mais fácil encontrar novos mercados para determinados produtos cearenses, como os sucos e calçados, do que para o setor siderúrgico, o carro-chefe das exportações do estado.
Mesmo nesse movimento de diversificação de mercados, você exige um tempo, exige novos contatos. Abrir mercados não é uma coisa tão simples. Então, você tem que ter esse contato da empresa local com alguma importadora de outro país, divulgar o seu produto. Então, é possível, mas é um processo que leva tempo. Por isso que, no curto prazo, o que está sendo buscado é essa negociação com o governo americano para que haja alguma redução dessa tarifa
Tensão no setor de pescados e agricultura
Além da metalurgia, os outros setores com maior participação nas exportações cearenses para os EUA são peixes congelados, sucos e castanha de caju. Entre as empresas exportadoras de pescado, o cenário é de tensão.
Em 2024, os pescados foram o segundo principal produto de exportação do Ceará para os Estados Unidos, logo atrás do aço. Ao todo, o estado exportou US$ 54 milhões em pescado, dos quais US$ 52 milhões foram para os americanos.
Atualmente, o setor emprega diretamente mais de 20 mil pessoas, conforme o Sindicato das Indústrias de Frio e Pesca do Ceará (Sindfrio). No entanto, o número de trabalhadores envolvidos no setor de pesca é bem maior, conforme o primeiro secretário do Sindfrio, Paulo Gonçalves.
Pescados são o segundo produto cearense mais vendido para os EUA
José Leomar/SVM
“Para cada emprego de pescador, você tem entre 5 e 6 pessoas em terra trabalhando”, disse o representante. Uma interrupção no fornecimento de pescados ao mercado americano impactaria diretamente milhares de trabalhadores.
“Nós estamos em uma situação bem complicada para o setor pesqueiro. Porque, por exemplo, os peixes costeiros que nós pescamos, nós vendemos 100% para o mercado americano. Nós vamos parar. Se não houver uma solução, o jeito vai ser parar a exploração do peixe do pescado, que é o peixe costeiro, que são os peixes vermelhos. E isso, muita empresa vai parar de comprar e muitos barcos vão parar de pescar”, afirma o 1º secretário do Sindfrio, Paulo Gonçalves.
O representante também destacou a dificuldade de encontrar mercados para o pescado brasileiro para suprir uma possível saída dos EUA. Desde 2018, o Brasil está proibido de exportar peixes para a União Europeia por questões sanitárias, enquanto Ásia e Oceania já são clientes.
As tarifas têm preocupado o setor de agropecuária cearense como um todo. Entre os itens exportados para os Estados Unidos, estão castanha de caju, água de coco, cera de carnaúba, frutas e suco de frutas.
O presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Ceará (Faec), Amílcar Castro, alerta que o impacto das tarifas no setor é grande, uma vez que os Estados Unidos são destino de mais de um terço dos produtos agropecuários do estado.
“O mercado americano tem um peso muito grande nas nossas exportações, e não há mercado que possa suprir isso com rapidez. A Faec tem um planejamento de longo prazo para dobrar as exportações do agro cearense, e isso depende do mercado americano. Quanto aos empregos, isso terá um impacto sobre a cadeia produtiva de produtores de coco, pequenos pescadores e trabalhadores que extraem cera de carnaúba, por exemplo”, afirma Amílcar.
Indústria analisa cenário e aguarda governos
Ceará é o maior produtor de calçados do Brasil e o segundo maior exportador
Fabiane de Paula/SVM
Ao longo das últimas semanas, o Governo do Ceará realizou reuniões com o empresariado para ouvir as demandas dos setores impactados, enquanto o governo federal instituiu um comitê junto aos empresários para entender os impactos das tarifas em cada setor
Na última quinta-feira (24), a Federação das Indústrias do Ceará (Fiec) também reuniu vários sindicatos de empresas exportadoras para discutir o cenário diante das tarifas e como ajudar cada negócio.
Entre os presentes estavam representantes dos setores de metalurgia, pescados, óleos e calçados – o Ceará é o principal produtor de calçados do Brasil e o segundo maior empregador do setor, com 69 mil empregos diretos.
Em 2024, o estado confeccionou 24,3% dos 929 milhões de pares de calçados produzidos no país. Apesar de maior parte da produção ficar no mercado interno nacional, o Ceará é o segundo maior exportador de calçados do Brasil, e o produto foi o 4º mais vendido pelo estado aos EUA.
“Precisamos expor aqui a situação e encontrar soluções para mitigar os efeitos das tarifas que os EUA querem impor na importação dos produtos brasileiros. Entendo que cada setor vai sofrer de uma forma diferente e, por isso, precisamos de soluções diferentes”, destacou o presidente da Fiec, Ricardo Cavalcante.
A Fiec defendeu a busca de uma solução diplomática com os Estados Unidos para as tarifas, ao mesmo tempo que reconhece a necessidade de diversificar os mercados dos produtos cearenses.
O economista João Mário de França acredita que, se confirmado o cenário das tarifas, o Governo do Ceará pode intervir para ajudar empresas e cadeias produtivas prejudicadas.
“É observar logo os potenciais perdedores, quem são os setores que vão ser mais prejudicados nesse primeiro momento, para viabilizar, claro, dentro das possibilidades fiscais do Estado, alguma linha de financiamento, alguma opção de crédito ou mesmo alguma ampliação de algum mecanismo de incentivo fiscal para tentar litigar esses impactos em curto prazo”, destaca.
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