
Indígena acusa 4 policiais e 1 guarda civil de estupro durante 9 meses em delegacia
Três policiais militares e um guarda municipal acusados de estuprar uma mulher indígena da etnia Kokama, de 29 anos, foram presos neste sábado (25) no município de Santo Antônio do Içá, no interior do Amazonas. Os abusos teriam ocorrido de forma recorrente entre novembro de 2022 e agosto de 2023, enquanto a vítima estava sob custódia na delegacia da cidade.
Segundo o Ministério Público, outros dois policiais militares que também tiveram a prisão decretada — um que está de férias e outro afastado por motivos operacionais — ainda não foram presos, mas devem se apresentar nas próximas horas, de acordo com o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco).
Os mandados de prisão foram cumpridos por equipes das Polícias Civil e Militar contra suspeitos que ainda atuavam em diferentes municípios do Amazonas.
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Veja onde os policiais foram presos:
Tabatinga: 1 policial militar
Manaus: 1 policial militar
Santo Antônio do Içá: 1 policial militar e 1 guarda municipal
Além disso, dois policiais militares que ainda não foram presos estão em Tabatinga e devem se entregar nas próximas horas.
As prisões foram solicitadas pelo Ministério Público no final da tarde de sexta-feira (25), durante um Procedimento Investigatório Criminal (PIC) aberto pela Procuradoria-Geral de Justiça, e autorizadas pelo juiz Édson Rosas.
Os suspeitos são investigados por crimes como estupro de vulnerável, estupro qualificado e tortura, cometidos enquanto a vítima estava presa em condições degradantes dentro da delegacia.
O processo está em segredo de Justiça para resguardar a vítima e assegurar que as investigações avancem sem interferência dos envolvidos. Segundo o MP, a medida tem como objetivo proteger a vítima, evitar interferências nas investigações e garantir a ordem pública.
De acordo com o MP, os abusos ocorriam durante a noite e, por diversas vezes, foram praticados de forma coletiva. A vítima estava acompanhada do filho recém-nascido, que presenciou os atos, o que agrava ainda mais o caso.
Em depoimento prestado a promotores na sexta-feira, a vítima relatou ter sido submetida a humilhações, constrangimentos e abusos sexuais por parte dos agentes, sem qualquer assistência médica, psicológica ou jurídica.
O MP também informou que, mesmo após a transferência da mulher para o presídio feminino de Manaus, parte dos policiais foi até a casa da mãe dela, em Santo Antônio do Içá, com o objetivo de intimidar a família e silenciar a vítima.
A Promotoria apontou ainda que os suspeitos continuam em liberdade e exercendo funções públicas, o que representa risco à instrução penal e à segurança da vítima e da sociedade, já que permanecem armados e com poder de autoridade.
Nos pedidos feito a Justiça, o MP também requer o afastamento dos investigados das funções públicas e a suspensão do porte de arma.
O g1 solicitou posicionamento da Polícia Militar, mas até a última atualização desta reportagem não obteve resposta.
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Prisão e abusos
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Segundo a PM, os policiais tiveram as armas recolhidas e estão afastados das ruas, atuando em funções administrativas enquanto o procedimento disciplinar segue em andamento. A corporação afirmou que repudia os atos denunciados e não compactua com condutas fora da legalidade.
A indígena foi presa em 11 de novembro de 2022, após uma vizinha chamar a Polícia Militar por suspeita de violência doméstica entre a indígena e o companheiro. Ao chegar à delegacia, os policiais descobriram um mandado de prisão em aberto contra ela, por suposta participação em um homicídio em Manaus, em 2018.
A Rede Amazônica teve acesso ao processo. De acordo com a denúncia, como não havia cela feminina na delegacia, a mulher foi colocada junto com presos homens. Foi nesse contexto que os abusos começaram.
O caso só foi denunciado às autoridades em 27 de agosto de 2023, quando ela foi transferida para a Unidade Prisional Feminina de Manaus nove meses após a prisão. Ela apontou como autores policiais militares e um guarda municipal.
“Desde novembro de 2022, quando foi recolhida na delegacia de Santo Antônio do Içá, até a transferência em agosto de 2023, ela foi vítima de agressões físicas, abusos morais e estupros coletivos cometidos por cinco agentes públicos”, diz trecho do processo.
Segundo o advogado Dacimar de Souza Carneiro, que representa a vítima, os abusos ocorriam em diferentes áreas da delegacia — na cela, na cozinha e na sala onde eram guardadas as armas — e mesmo com o bebê ao lado. “Os policiais diziam: ‘Quem manda aqui somos nós’”, relata o documento.
Ação de indenização
Em fevereiro deste ano, a defesa da indígena ingressou com uma ação de indenização contra o Estado, pedindo R$ 500 mil pelos abusos sofridos. Entre os elementos apresentados, há o relato de que um juiz teria visitado a carceragem da delegacia antes do Natal de 2022, constatado as irregularidades e ordenado verbalmente que ela fosse retirada do local — o que não ocorreu.
“O juiz disse para o delegado que ela não era presa dele e que tinha que mandar ela embora de lá. Que sabia que ela estava com o bebê na delegacia. Depois disso, nunca mais o viu”, diz trecho do depoimento que embasa o processo.
Ela também revelou ter sido obrigada a consumir bebida alcoólica com os policiais durante os abusos. “Os estupros aconteciam à noite, nos plantões. Em todas as áreas da delegacia. Os outros presos não falavam nada porque também eram torturados”.
A defesa argumenta que o Estado foi omisso ao manter a mulher presa em condições degradantes, sem qualquer assistência médica ou psicológica, mesmo estando grávida — situação que, por lei, garantiria direito à prisão domiciliar. O pedido, no entanto, ainda não foi analisado.
Além da indenização, a indígena solicita acompanhamento médico e psicológico urgente fora da prisão e que o tempo sob custódia do Estado seja contado em dobro, devido às violações sofridas.
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM) e a Polícia Civil informaram que foi instaurado um procedimento para apurar o caso. Já a Polícia Militar afirmou que abriu um inquérito policial militar, atualmente em fase final de investigação.
Por meio de nota, o presidente do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), desembargador Jomar Fernandes, também determinou a imediata envio das informações sobre o caso à Corregedoria-Geral de Justiça do Amazonas (CGJ/AM) para que instaure, com a máxima urgência, à apuração dos fatos.
A Defensoria Pública do Amazonas informou que que tomou conhecimento, no dia 28 de agosto de 2023, e que após o relato, solicitou o imediato encaminhamento da vítima à Delegacia da Mulher, onde foi realizado exame de corpo de delito no mesmo dia.
“A Defensoria Pública reforça a gravidade das denúncias e destaca que seguirá acompanhando o caso de forma rigorosa. A Instituição também ressalta a importância de sua presença nas unidades prisionais como instrumento de fiscalização do cumprimento dos direitos humanos das pessoas privadas de liberdade”, diz um trecho da nota.
A Funai também se manifestou e disse estar apurando junto às áreas técnicas sobre o caso da indígena da etnia Kokama.
Indígena denuncia estupros em delegacia no interior do Amazonas
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