
Fuga em massa aconteceu em dezembro de 2024 e culminou no afastamento de Joseuma Silva Neres. Ex-gestora está presa desde janeiro deste ano. Ex-diretora de presídio é presa suspeita de facilitar fuga de 16 detentos na Bahia
Arquivo Pessoal
Joneuma Silva Neres, ex-diretora do Conjunto Penal de Eunápolis, e o detento foragido Ednaldo Pereira de Souza, o “Dadá”, planejaram a fuga em massa dentro da unidade. A ação criminosa aconteceu em dezembro de 2024 e culminou no afastamento da gestora.
O elo entre Joneuma, Dadá e a fuga pode ser explicado através do processo ao qual a TV Bahia obteve acesso com exclusividade. Veja abaixo:
Joneuma Silva Neris ao assumir a direção do Conjunto Penal de Eunápolis, em 14 de março de 2024, se aproximou de Dadá, apontado como chefe de um grupo criminoso de Eunápolis, para ter vantagens financeiras, mas se envolveu afetivamente com ele;
As investigações apontaram que a relação amorosa fez com que Joneuma se associasse definitivamente à organização criminosa;
Inicialmente, a ex-diretora facilitava a comunicação entre os integrantes do grupo criminoso e permitia regalias para os membros da facção que estavam juntos no Conjunto Penal de Eunápolis.
Entre as regalias permitidas estavam: acesso irrestrito aos freezers introduzidos por determinação de Dadá, acessos a refeições especiais como moquecas de camarão, lasanhas e chesters, equipamentos sonoros e caixas de som e visitas íntimas dentro dos pavilhões.
Relação entre Joneuma e Dadá
Joneuma e Dadá tiveram um relacionamento amoroso
Reprodução/Redes Sociais
As investigações apontaram que os encontros entre Joneuma e Dadá que aconteciam na sala da diretoria ou na sala de videoconferência do Conjunto Penal eram frequentes e as tratativas eram realizadas em reuniões clandestinas duravam horas.
Durante as reuniões, Joneuma cobria os pontos de visão – as janelas ou frestas – com folhas de papel de ofício, enquanto Dadá permanecia no local, sem qualquer vigilância, ou meio de contenção, ambos trancados, e com a observação de que não queriam ser incomodados.
Os depoimentos de testemunhas afirmam que a relação afetiva entre os dois era tão evidenciada que os detentos e os próprios servidores do Conjunto Penal passaram a falar que os dois mantinham relações sexuais dentro do presídio, sem qualquer preocupação ou pudor.
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Participação do supervisor
Wellington Oliveira Sousa, ex-coordenador de segurança do Conjunto Penal de Eunápolis
Reprodução/TV Bahia
Já Wellington Oliveira Santos, coordenador de Segurança do Conjunto Penal, se associou aos membros da facção em parceria com Joneuma, quando percebeu as vantagens financeiras que ela conseguiu com a facção.
De acordo com as investigações, a partir daí, Wellington começou a seguir as orientações de Joneuma para se omitir nas inspeções carcerárias, além de acobertar os planos do grupo criminoso.
A atuação criminosa envolvia, também:
a atividade de interceder nos laudos criminológicos e nos pareceres técnicos a cargo dos assistentes sociais, psicólogos e psiquiatras da unidade, para que estas peças técnicas, como provas, fossem favoráveis aos comparsas do grupo criminoso nos pedidos que eles protocolavam perante o Juízo de Execução Penal;
Daí quando um laudo técnico ou parecer de um servidor encarregado não favorecia um membro da facção escolhido para obtenção de um benefício, como por exemplo um livramento condicional, saída temporária, progressão de regime penal, ou outro benefício específico, Wellington entimidava o servidor encarregado a mudar o seu entendimento desfavorável;
Quando não conseguia, Wellington e Joneuma alardeavam entre os detentos interessados que era aquele determinado profissional que estava “atrapalhando a sua vida de interno”. O objetivo era marcar quem deveria ser demitido do Conjunto Penal, e, também, incitar os presos a se rebelarem contra a pessoa.
O documento conclui que os funcionários terminavam coagidos, por medo, a passar a colaborar, involuntariamente, com as atividades criminosas.
Atualmente, Wellington está preso no Conjunto Penal de Teixeira de Freitas. Em contato com a reportagem da TV Bahia, a defesa dele informou que não iria se posicionar nesse momento.
Planejamento da fuga
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As investigações mostraram que ao certificarem que os atos feitos dentro do presídio não motivavam uma intervenção ou responsabilização por parte da Secretaria de Administração Penitenciária (Seap), Joneuma e Wellington planejarem a fuga dos detentos juntos com Dadá.
De início, ficou acertado entre Joneuma, Dadá e Wellington que os presos deveriam ficar todos juntos nas celas 44 e 45 do pavilhão B, para poderem se comunicar e trabalharem juntos, nos atos preparatórios e executórios da fuga.
O trio decidiu que o roteiro da fuga passaria pela escavação de um buraco direcionado para o teto da cela 44 para, em seguida, os presos acessarem a passarela e a parte externa do Conjunto Penal.
Em seguida, Joneuma e Wellington destinaram as celas 44 e 45 para todos os integrantes do grupo criminoso escolhidos para fugirem.
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Direcionamento de contratações e demissões
Ainda de acordo com o documento, para exercer o controle absoluto do Conjunto Penal de Eunápolis, e promover as atividades ilícitas para o amante e o grupo criminoso a qual ela passou a integrar, Joneuma começou a direcionar as contratações e demissões dos servidores do presídio.
Assim, os servidores que “não fechavam os olhos” ou compactuavam com as ordens eram intimidados ou demitidos. As demissões eram direcionadas por Joneuma, Dadá, dois dentistas, uma psicóloga e dois advogados.
Os demitidos eram substituídos por pessoas ligadas a ex-diretora do presídio, que chegou a contratar a irmã Jocelma Neres como advogada em defesa dos interesses do grupo criminoso, no Conjunto Penal de Eunápolis.
Presídio sob comando do crime organizado
Além de Joneuma, outras 17 pessoas foram denunciadas pelo Ministério Público da Bahia. Entre elas, Wellington Oliveira Sousa, ex-coordenador de segurança do presídio, cargo de confiança da ex-diretora. O ex-gestor também está preso.
Joneuma esteve à frente a unidade por nove meses e foi a primeira mulher a ocupar este tipo de cargo no estado. No entanto, apesar da representatividade, o que veio à tona após as prisões revela que o conjunto penal estava sob comando do crime organizado.
O processo mostra que, desde que assumiu o cargo, em março de 2024, a gestora chamou a atenção das autoridades, especialmente pelas regalias dadas aos presos. Segundo informações presentes no documento, ela autorizou a entrada irregular de roupas, freezers, ventiladores e sanduicheiras.
O ex-coordenador de segurança da unidade foi uma das pessoas que revelaram as irregularidades. Em um dos depoimentos, Wellington contou que Joneuma atendia a diversas exigências feitas, principalmente por Dadá.
O homem é apontado pela polícia como chefe de uma facção de Eunápolis, que é ligada a outro grupo criminoso do Rio de Janeiro. Ele estava preso na unidade penal até o dia 12 de dezembro, quando aconteceu a fuga em massa.
Entre as regalias apontadas no depoimento, está o acesso de visitas. Wellington disse que a esposa de Dadá “passou a ingressar no conjunto penal, sem qualquer inspeção, mediante autorização da diretora”.
Custodiada com filho na cela
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Redes sociais
Joneuma foi presa no dia 24 de janeiro de 2024 e denunciada por facilitar a fuga dos 16 detentos do presídio. No momento da prisão, ela estava grávida. O bebê nasceu prematuro e segue com ela na cela, no Conjunto Penal de Itabuna, no sul do estado.
Em entrevista à TV Bahia, Jocelma Neres, irmã e advogada de Joneuma, nega a existência de um caso entre ela e Dadá.
“A gente não sabe quem foi que articulou tudo isso, mas ela está sofrendo as consequências de um crime que não cometeu. Ela nunca teve nenhum relacionamento com essa pessoa”, afirmou.
A advogada também destaca a preocupação com o fato de o sobrinho ainda estar no presídio com a mãe. “O presídio não é ambiente para uma criança recém-nascida e a família está desesperada, sem ter o que fazer. A gente não tem condições de estar lá com ela, pelo fato de ser uma cidade longe, e não ter recursos financeiros para estar lá”, desabafou.
Já o advogado Artur Nunes, que também representa Joneuma, explicou por que alguns benefícios eram concedidos aos detentos. “Dentro de uma unidade prisional, a gente entende, vive muito de negociação, no sentido de manter, ao máximo, a ordem da unidade prisional, evitar problemas, [evitar] que conflitos entre eles ocorram”, disse.
Em abril deste ano, Joneuma Silva Neres protocolou um pedido judicial de auxílio financeiro para cobrir gastos com a gravidez contra o ex-deputado federal Uldurico Jr. Ela alega que ele seria o pai da criança.
Dadá e Uldurico Júnior
Reprodução/TV Bahia
O ex-deputado federal é apontado, no documento, como um dos beneficiados por um esquema de negociação de compra de votos, dentro do presídio, quando ele era candidato a prefeito de Teixeira de Freitas, cidade do extremo sul do estado. O esquema foi feito por Joneuma e Dadá.
Em contato com a produção da reportagem, Uldurico Junior afirmou que não responde a nenhuma acusação e que tem pressa para fazer o teste de DNA. Acrescentou ainda que esteve no presídio para conversar com vários representantes de cada ala, para falar sobre direitos humanos.
Conjunto Penal de Eunápolis, no extremo sul da Bahia
Taísa Moura/TV Santa Cruz
Entenda a fuga
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O Conjunto Penal de Eunápolis fica em uma área afastada do centro da cidade, no bairro Juca Rosa. A fuga contou com quatro veículos do tipo SUV e oito homens portando armas de grosso calibre.
Um dos envolvidos, identificado como Vagno Oliveira Batista, foi preso em fevereiro deste ano, portando uma pistola. Segundo as investigações, ele era responsável por cuidar do armamento da facção.
Em depoimento, o suspeito disse que, depois da fuga, foi até a favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, onde encontrou com Dadá e outros cinco fugitivos.
Segundo depoimentos, antes de ser presa, Joneuma também planejava fugir para a capital carioca e se encontrar com o líder do grupo criminoso.
O que diz a Seap
Em nota, a Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização do Estado (Seap) disse que jamais compactuou com qualquer privilégio concedido a internos custodiados no sistema prisional baiano.
A pasta pontuou ainda que participou ativamente com a Polícia Civil (PC) nas investigações e colaborou de forma irrestrita com a Justiça para punir todas as transgressões ocorridas no Conjunto Penal de Eunápolis.
Desde o final de maio, agentes da Força Penal Nacional estão operando no presídio. A decisão foi tomada depois do atentado que teria como alvo o novo diretor Jorge Magno Alves, no dia 20 de maio. O homem endureceu as regras na unidade. Ele escapou do ataque, porém um servidor ficou gravemente ferido.
RELEMBRE:
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Arte g1
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