Por que os ipês florescem no inverno? Especialista explica e revela curiosidades sobre a árvore que colore ruas no interior de São Paulo


Especialista ouvido pelo g1 explica por que os ipês florescem no inverno, o que determina suas cores e como as mudanças climáticas podem afetar o calendário da florada. Florada de ipês rosas enfeita e colore as ruas em Marília
Roxos, amarelos, brancos e rosas. Os ipês em flor chamam atenção. É quase impossível resistir a registrar uma foto durante a florada. Mas você sabe por que essas árvores florescem justamente no inverno? E o que explica a variedade de cores entre os ipês?
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O g1 conversou com o engenheiro agrônomo Clebson Ribeiro, que revelou curiosidades sobre os ipês e explicou como as mudanças climáticas podem estar influenciando o “calendário” da florada, que tradicionalmente vai de junho a setembro, com variações conforme a cor da espécie.
“O Brasil é um país de uma das maiores biodiversidades do planeta. A gente tem que sempre partir desse princípio para falar de qualquer planta. No caso dos ipês, por exemplo, temos mais de 40 espécies diferentes que recebem esse nome. Esse é um dos motivos pelos quais a gente vê diferentes cores em diferentes épocas. Às vezes, mesmo sendo chamados popularmente de ipê-roxo ou ipê-amarelo, são espécies diferentes com a mesma coloração. Como cada espécie pode ser nativa de uma região específica do país, os períodos de floração também variam, mesmo entre ipês da mesma cor.”
Florescer no inverno é uma das estratégias do ipê
Clebson Ribeiro/Arquivo Pessoal
O engenheiro agrônomo explica que o ipê adota diversas estratégias evolutivas para garantir sua sobrevivência. Uma delas é a economia de energia durante a estação mais seca do ano, que, no Brasil, coincide justamente com o período de florada da espécie.
“Os ipês são plantas adaptadas a solos pobres e secos, e precisam de um período de seca para induzir a floração. Na época que falta água, eles perdem todas as folhas, ou partes das folhas, que é para evitar perda d’água por transpiração. E também para não precisar de água nos processos fisiológicos que ocorrem nas folhas. Isso acontece mais na época de outono, mas também no inverno, uma época que tem costuma ter menos chuva.”
Ipê-roxo é uma das tonalidades encontradas na região de Sorocaba (SP)
Clebson Ribeiro/Arquivo Pessoal
“Aí a árvore pensa o seguinte, ‘bom, eu estou economizando energia porque eu preciso sobreviver, mas eu preciso dar continuidade na reprodução da minha espécie, então, já que eu estou com bastante energia armazenada dentro de mim, dentro do tronco, das raízes, eu vou aproveitar que eu perdi as folhas e vou florescer numa época que a maioria das plantas não floresce, que é no inverno. Eu vou atrair os polinizadores pra mim'”, completa.
Só que, como explica o especialista, a espécie utiliza “toda” a energia de uma única vez e, por isso, a florada da espécie costuma ser muito intensa, fazendo com que a espécie seja conhecida pela sua exuberância e intensidade da cor.
“É aí que entra a beleza dos ipês. Porque quando florescem, são maravilhosos. Imagine uma floresta toda verdinha ou meio sem folha, de repente, no meio dela uma explosão de cor. Os insetos, os animais que são polinizadores, tipo beija-flor, abelhas de médio e grande porte, quando veem a árvore, ficam totalmente atraída por isso. E isso é mais uma parte da estratégia de garantir a sobrevivência da espécie, porque ela vai conseguir fazer trocas genéticas, através do cruzamento entre árvores da mesma espécie, porém de diferentes plantas. A gente chama de polinização ou cruzamento entre plantas”, explica.
Flores dos ipês atraem aves e insetos polinizadores
José C. Motta-Junior
Outra estratégia do ipê está relacionada às sementes da espécie, que utilizam de um elemento que aparece com mais força durante o período de inverno: o vento.
“Como a espécie floresce numa época de inverno, ela vai acabar frutificando um pouco depois, mas ainda durante o inverno. Os frutos dela, as sementes, se dispersam com o vento. E nessa época, principalmente, em agosto, há mais vento. Então, ela evoluiu também pensando ‘eu não quero que uma planta filha germine perto de mim, da planta mãe. Eu quero que ela vá bem longe pra gente não competir entre a gente’. E a melhor forma dela ir longe é através do vento”.
As sementes de ipê utilizam o vento, mais forte durante o inverno, para se dispersar
Larissa Pandori/g1
🗓️ ‘Calendário’ de cores
Na região de Sorocaba (SP), o amarelo é a cor que mais se destaca pelas ruas, segundo Clebson. No entanto, a variedade de cores dos ipês é extensa. Os períodos de florada de cada tonalidade podem estar sofrendo influência de diversos fatores, principalmente das mudanças climáticas.
“Geralmente, as espécies que ocorrem aqui na região ou no Brasil como um todo, têm um ‘calendário’, mas que pode variar. Porque depende de quanto choveu, ou de quanto não choveu nos períodos anteriores. A planta pode demorar um pouquinho mais para florescer ou então começar um pouco antes. Então, não tem como ter uma precisão, mas geralmente cada cor floresce sempre na mesma época”, orienta.
O ipê-roxo (Handroanthus impetiginosus) é o primeiro a florescer. Segundo o especialista, a florada desta tonalidade acontece entre junho e julho;
Na sequência, vem a florada do ipê-amarelo (Handroanthus albus), entre julho e agosto, podendo chegar até setembro;
Em seguida, é a vez do ipê-rosa (Handroanthus heptaphyllus) florescer, entre agosto e setembro;
A florada o ipê-branco (Handroanthus serratifolius), que tem também variações entre a espécie, e costuma acontecer também entre agosto e setembro.
Conheça curiosidades sobre o ipê, espécie que colore ruas no interior de São Paulo durante o inverno
Arquivo Pessoal
🤳🏻 Viu um ipê? Fotografe!
O engenheiro agrônomo aconselha os “amantes” de ipê a fotografar uma árvore florada sempre que possível, pois, como ele explica, a florada expressiva da espécie dura entre 7 a 10 dias e ocorre, normalmente, uma vez ao ano.
“Floresce, fica maravilhosa, daí cai quase tudo no dia seguinte. Então, quando você observar essa planta, já tira foto, porque talvez dali uns dias já não tenha mais”, orienta.
Na avenida Afonso Vergueiro, em Sorocaba (SP), ipês-roxos colorem o canteiro central
Larissa Pandori/g1
Ipê-branco também é visto em Sorocaba (SP)
Clebson Ribeiro/Arquivo Pessoal
Estrategista por natureza, a espécie desenvolveu um mecanismo para garantir, se necessário, ao menos duas floradas por ano, como explica Clebson.
“Pode acontecer da árvore dar um pico de flor, mas não toda a flor que ela daria. Aí ela espera passar alguns dias e dá mais um pico de flor. Tudo é uma estratégia de sobrevivência da espécie. Por mais que os ipês joguem tudo nessa florada, às vezes, ela dá uma segurada porque pode se chover, a chuva faz as flores, que são bem molinhas, grudarem no chão, aí a flor tem dificuldade para voar, para conseguir o pólen e fazer o cruzamento. Então se a árvore ‘joga todas as cartas’ dela num momento só, que, por um azar dela cai num momento chuvoso, ela perde todo o esforço. Perde tudo perde aquele esforço.”
Ipê-roxo em florada na zona oeste de Sorocaba (SP), em junho de 2025
Larissa Pandori/g1
🌸 Quando chega a primavera
Após seguir todas essas etapas, chega o momento de se preparar para a estação mais florida do ano: a primavera. É nesse período que a semente, caída da árvore, levada pelo vento, acolhida pelo solo, finalmente encontra a água que precisa para germinar, crescer e virar árvore.
“A espécie calcula tudo direitinho para não perder as oportunidades de cada estação. Isso acontece com todas as plantas, só que cada espécie escolheu uma estratégia”.
Ipê-roxo em florada na região oeste de Sorocaba (SP)
Clebson Ribeiro/Arquivo Pessoal
Conforme Clebson, o outono e o inverno deste ano estão mais chuvosos que a média no interior de São Paulo e isso pode causar atraso na florada do ipê.
“Como a espécie conseguiu mais água, pode esperar um pouquinho mais para perder as folhas. Aproveitar o máximo que puder. Porque a folha é quem faz a fotossíntese, que é quem produz o alimento para a planta, através da fotossíntese. Então quanto mais ela produzir, mais ela consegue guardar, e mais ela consegue recursos para florescer e para sobreviver”.
Dentro das flores do ipê-roxo, é possível observar estrias de coloração amarela, que atuam como guias visuais para os polinizadores em direção ao nectário: “Nesse processo, o pólen adere aos insetos, que acabam promovendo a polinização cruzada ao visitarem flores de outras plantas da mesma espécie”.
Cor amarela no interior da flor são as estrias que guiam os polinizadores até o nectário
Larissa Pandori/g1
🌳 Subespécies no interior
O agrônomo explica há subespécies de ipê que apresentaram algumas diferenças fisionômicas, mas ainda são ipês. Em Sorocaba, ele destaca o ipê-amarelo do Cerrado (Handroanthus serratifolius) e o ipê-amarelo-do-brejo (Handroanthus umbellatus).
“Os ipês, de modo geral, florescem em cachos, várias flores brotam a partir de um mesmo ponto do ramo. Há ainda algumas espécies, que chamamos popularmente de ‘ipê-bola’, que as flores se agrupam formando esferas com cerca de 30 centímetros de diâmetro. Fica parecendo um buquê mesmo. Você não vê nenhuma folha”.
Ipê-amarelo em Sorocaba (SP)
Clebson Ribeiro/Arquivo Pessoal
‘Há ainda algumas espécies, que chamamos popularmente de ‘ipê-bola’, que as flores se agrupam formando esferas com cerca de 30 centímetros de diâmetro’, comenta engenheiro agrônomo
Larissa Pandori/g1
🌸 Como plantar um ipê
Quem deseja plantar um ipê deve considerar que essa árvore pode atingir grande porte. Por isso, é importante escolher um local espaçoso, que acomode seu crescimento, e que esteja afastado de redes elétricas, recomenda o especialista.
“Como ela é uma espécie nativa, é mais adaptada às condições de solo, às condições climáticas. Você pode colher sementes secas das vagens que caem no chão entre o fim do inverno e a primavera. Deixe secar por no máximo 24 horas, mas não guarde a semente por muito tempo. É sempre bom plantar em parques, praças, em áreas grandes, porque é uma espécie de médio a grande porte”, afirma.
A floração, geralmente, começa a partir do 3° ou 4° ano, sempre no inverno ou início da primavera.
Ipê-branco também é visto em Sorocaba (SP)
TV TEM
O Jardim Botânico de Sorocaba, que fica na rua Miguel Montoro Lozano, n°340, Jardim Iguatemi, abriga aproximadamente dez espécies de ipês diferentes. Os visitantes podem conhecer e se informar mais sobre a família botânica do ipê.
“A gente trabalha no sentido de reconhecer os ipês nativos no município. Das árvores que têm boa saúde, que chamamos de matrizes, coletamos semente para aumentar o número delas na região, porque existiam mais, mas elas foram sendo cortadas por causa do crescimento da cidade”, lamenta.
Jardim Botânico de Sorocaba fica na rua Miguel Montoro Lozano, 340, Jardim Iguatemi
Prefeitura de Sorocaba/Divulgação
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