
Apesar do apelo estético do abricó-de-macaco, plantar a espécie em ruas ou calçadas pode ser perigoso
Giselda Person
De beleza exótica e perfume intenso, o abricó-de-macaco (Couroupita guianensis) tem conquistado espaço em áreas urbanas do Brasil graças ao seu valor ornamental. Mas por trás das flores vistosas e dos troncos carregados de frutos pesados, há muito mais: usos medicinais, estratégias de reprodução surpreendentes e até riscos de acidentes.
Apesar do apelo estético, plantar a espécie em ruas ou calçadas pode ser perigoso. Isso porque os frutos do abricó-de-macaco, que podem pesar até cinco quilos e lembram o tamanho de uma bola de futsal, costumam despencar diretamente no chão quando maduros – o que representa risco para pedestres e veículos.
A botânica Carol Ferreira explica que, apesar da origem amazônica, a espécie está presente hoje em vários estados brasileiros, especialmente em áreas urbanas como o Rio de Janeiro, onde foi introduzida pelo paisagista Roberto Burle Marx.
O abricó-de-macaco pertence à família Lecythidaceae, a mesma da castanha-do-pará, dos jequitibás e da sapucaia
Carol Ferreira
“Ela chama muita atenção pela beleza das flores e por sua floração exuberante, que acontece principalmente entre outubro e dezembro. Já a frutificação acontece de dezembro a fevereiro”, afirma Carol.
“Por conta do tamanho e do peso dos frutos, a recomendação é sempre evitar o plantio em locais com grande circulação de pessoas ou veículos”, orienta Carol.
Ela cita o exemplo do Rio de Janeiro, onde a Companhia Municipal de Limpeza Urbana faz a retirada dos frutos ainda verdes para evitar acidentes.
A árvore abricó-de-macaco desperta interesse pelo potencial farmacológico de suas partes, como flores, folhas e casca
Carol Ferreira
Por que florescem no tronco?
Um dos aspectos mais curiosos da espécie é a chamada caulifloria, quando flores e frutos se desenvolvem diretamente no tronco da árvore, e não nos galhos.
“Essa característica facilita a visita dos animais polinizadores e dos dispersores de sementes, já que as flores e os frutos ficam mais visíveis e acessíveis”, explica a botânica.
Um dos aspectos mais curiosos da espécie é a chamada caulifloria, quando flores e frutos se desenvolvem diretamente no tronco da árvore, e não nos galhos
Aline Dayrell/iNaturalist
Ela acrescenta ainda que, além de facilitar o acesso dos animais, essa adaptação também ajuda a proteger as partes da árvore responsáveis pela reprodução. “As gemas reprodutivas, que dão origem às flores e frutos, ficam mais seguras quando estão no tronco, protegidas pela casca, do que se estivessem expostas nos galhos”.
Polinização e dispersão das sementes
As flores perfumadas da Couroupita guianensis são polinizadas principalmente por abelhas, enquanto a polpa dos frutos serve de alimento para queixadas, pacas e macacos, que acabam espalhando as sementes em suas fezes.
O odor, no entanto, tem uma dualidade curiosa. “As flores têm um perfume intenso e agradável que atrai os polinizadores. Já os frutos, quando abertos, exalam um cheiro forte e considerado podre. Apesar de desagradável para nós humanos, esse cheiro tem a função de atrair justamente os animais que vão ajudar a dispersar as sementes”, detalha Carol.
As flores perfumadas da Couroupita guianensis são polinizadas principalmente por abelhas
Carol Ferreira
Além disso, ela destaca um detalhe anatômico que contribui para esse processo. “Esses animais engolem a polpa juntamente com as sementes, e essa polpa tem estruturas semelhantes a pelos entrelaçados. Elas passam pelo trato digestivo e ajudam na dispersão longe da planta-mãe”.
Família nobre da botânica
O abricó-de-macaco pertence à família Lecythidaceae, a mesma da castanha-do-pará, dos jequitibás e da sapucaia. Seu nome científico Couroupita guianensis foi dado em 1755 pelo botânico francês Jean Baptiste Fusée Aublet.
“Couroupita” vem do nome da planta na Guiana Francesa – kouroupitoumou – e “guianensis” se refere à região onde foi estudada pela primeira vez.
Quando abertos, os frutos exalam um cheiro forte e considerado podre
michelmfr/iNaturalist
Quando a casca vira cuia
Além da função ecológica e medicinal, os frutos do abricó-de-macaco também têm uso artesanal. Depois de secos e esvaziados, podem ser transformados em cuias ou utensílios domésticos.
“Essa é uma prática tradicional de povos ribeirinhos e indígenas, que ainda é comum em algumas regiões”, afirma Carol.
Uso medicinal e pesquisas promissoras
A árvore também desperta interesse pelo potencial farmacológico de suas partes, como flores, folhas e casca.
“Ela apresenta diversos compostos como flavonoides, saponinas, quercetinas, alcaloides e compostos voláteis que têm ação biológica e podem oferecer benefícios à saúde”, diz Carol.
Floração do abricó-de-macaco acontece principalmente entre outubro e dezembro
Carol Ferreira
Entre as propriedades relatadas estão ação cicatrizante, anti-inflamatória, antioxidante, antimicrobiana, antidiarreica e antidepressiva. Povos indígenas da Amazônia utilizam chás da planta para tratar dores, inflamações, tumores e hipertensão. “A infusão das flores também é usada como imunoestimulante”, explica.
Alguns estudos mostram que a planta também pode ajudar no combate ao mosquito Anopheles, que transmite a malária. Além disso, ela pode interferir no ciclo de vida do parasita que causa a doença, dificultando sua ação no organismo.
Embora prefira solos brejosos, abricó-de-macaco se adapta bem a climas mais quentes e a solos secos, o que possibilita seu uso em projetos de reflorestamento
Giselda Person
“Estudos com as folhas da Couroupita também revelaram compostos com possível ação antidepressiva”, acrescenta Carol.
Apesar dos resultados animadores, ela reforça que mais estudos toxicológicos e clínicos são necessários para que as propriedades sejam validadas com segurança para uso no cotidiano.
Reflorestamento e cultivo
Embora prefira solos brejosos, a espécie se adapta bem a climas mais quentes e a solos secos, o que possibilita seu uso em projetos de reflorestamento.
“Ela pode ser utilizada na recuperação de áreas degradadas, já que suas flores e frutos atraem diversos animais”, diz a botânica.
A propagação ocorre por sementes, e é possível encontrar à venda em sites especializados. Mas o cultivo não é recomendado em residências, justamente pelo risco de acidentes com os frutos pesados.
Os frutos do abricó-de-macaco podem pesar até cinco quilos e lembram o tamanho de uma bola de futsal
ssawtelle/iNaturalist
“A árvore precisa de bastante espaço para crescer e deve ser plantada apenas em áreas amplas, como parques e reservas”, recomenda Carol.
Para quem ainda quiser cultivar, o ideal é semear em solo fértil e bem drenado, manter regas regulares, sem encharcar, e adubar a cada seis meses. A planta precisa de luz solar direta ou parcial por boa parte do dia.
Com seu visual imponente e cheiro inconfundível, o abricó-de-macaco é uma árvore que desperta fascínio, exige respeito e ainda guarda muitos segredos a serem descobertos.
“É uma espécie fascinante que, se usada com sabedoria, pode trazer muitos benefícios tanto para a biodiversidade quanto para as pessoas que convivem com ela”, conclui Carol.
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