
Pacientes graves esperam pelo menos três meses por transferência para atendimento especializado em Porto Alegre
Reprodução/RBS TV
Pacientes internados com doenças graves no Rio Grande do Sul chegam a esperar mais de três meses por uma transferência a hospitais de Porto Alegre, onde há maior oferta de serviços especializados. Levantamento obtido pelo Grupo de Investigação da RBS (GDI) mostra que 462 pessoas aguardam transferência para receber esse tipo de atendimento na capital.
Em Canoas, no Hospital Nossa Senhora das Graças, está internada há três meses uma idosa de 66 anos com lesão no fêmur por causa de um câncer. A paciente passa o tempo todo na cama, com a perna erguida, para suportar a dor. O filho, o mecânico Edson Benguá, relata a peregrinação por hospitais e a angústia diante da demora:
“Ela entrou no hospital com dor na perna, caminhando, e hoje está completamente debilitada. Há quatro meses, se tivesse feito a cirurgia, teria uma recuperação plena, com certeza”.
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Antes de chegar a Canoas, Carmem já havia passado pelos hospitais São Camilo, em Esteio, e Centenário, em São Leopoldo. A família recorreu à Justiça em maio, conseguindo uma liminar para garantir atendimento especializado. Mas, segundo Edson, as transferências determinadas judicialmente são enviadas a hospitais sem condições de realizar o tratamento. A reportagem aguarda uma posição do Tribunal de Justiça.
Saúde piora com a espera
A situação se repete em outras cidades. O maior volume está na chamada Região 10, que inclui a Capital e cinco municípios vizinhos: 293 pacientes estão cadastrados no sistema Gerenciamento de Internações (Gerint) da Secretaria Estadual da Saúde, que regula as internações.
Em Gravataí, quem luta contra o câncer é a irmã de Lucas Lape, de 39 anos. O quadro dela se agravou nos últimos meses.
“Quando ela entrou, só tinha um braço imobilizado. Agora, já surgiram tumores visíveis e o inchaço no rosto é muito aparente. A piora foi drástica”, contou.
No Litoral Norte, a demora também se transforma em sofrimento. Em Tramandaí, a autônoma Ângela da Rosa Mâncio acompanha o tio de 78 anos, internado há dois meses após uma síndrome que causa paralisia parcial.
“É uma angústia total, porque simplesmente ninguém faz nada. Ele já espera há 62 dias e não tem tratamento aqui. Só em outro hospital ele poderia ser atendido”, diz.
Apesar de uma liminar obtida na Defensoria Pública, a transferência não ocorreu. Na semana passada, o hospital emitiu alta para o paciente, alegando impossibilidade de transferência via Gerint e discreta melhora, sugerindo tratamento por fisioterapia. A sobrinha contesta.
“O caos total, nenhum respeito pela vida humana. O meu tio não para em pé e dizem que ele melhorou, mas eu não vejo onde”, reclama.
Procurado, o hospital não se manifestou.
Ainda em Tramandaí, técnica em enfermagem Francine Semprebon aguardou quase dois meses pela transferência do filho recém-nascido. O bebê precisava de um exame que não é ealizado no hospital local.
“Eles alegavam falta de leitos devido à bronquiolite, mas era um caso grave e urgente”, disse a mãe.
A criança foi transferida para Porto Alegre na noite de quarta-feira (20).
O motivo da demora
A prefeitura de Porto Alegre, responsável por disponibilizar as vagas, justifica que a demora decorre da alta taxa de ocupação e da carência de serviços especializados no interior do estado.
“Essa demora acontece por vários motivos. Um deles é a ocupação dos leitos de Porto Alegre, que se mantém alta. Muitos pacientes vêm de forma espontânea às portas de urgência da Capital, mesmo sem referência aqui”, informou a Secretaria Municipal da Saúde.
Procurado, o ministério da Saúde não se manifestou. Já a secretaria estadual da Saúde, responsável pelo sistema de regulação Gerint, disse, em nota, que o acordo firmado com o Ministério Público para aplicar 12% das receitas em saúde vai significar mais serviços e entregas à população (leia, abaixo, a nota na íntegra).
Nota da Secretaria Estadual da Saúde
“O Governo do Estado do Rio Grande do Sul está comprometido com a qualificação do atendimento à população e com a sustentabilidade da rede hospitalar e da atenção primária. Nesse sentido, dentro da sua estratégia de atuação, firmou acordo com o Ministério Público do RS para atualizar os critérios de cálculo da receita que deve ser aplicada saúde, superando os 12% estabelecidos por lei. Isso significa mais serviços e entregas à população.
O acordo irá garantir que, a partir de pleitos embasados em critérios técnicos e epidemiológicos, os recursos sejam investidos, preferencialmente, em redução de filas para consultas com especialistas, exames e procedimentos cirúrgicos em todo o Estado. Além disso, o acréscimo no investimento irá garantir o aumento da capacidade de atendimento nas urgências e emergências de centros de saúde e hospitais em diversos municípios do Estado.
Outros dois marcos importantes dessa gestão são a quitação das dívidas históricas com os hospitais, o que trouxe mais previsibilidade e confiança para os prestadores de serviço, e o programa Avançar Mais na Saúde, que já investiu R$ 1,16 bilhão em melhorias na rede hospitalar e na assistência primária.
O Rio Grande do Sul foi protagonista nacional por ter sido o primeiro Estado a aderir aos programas federais de redução de filas, reforçando seu papel de liderança no enfrentamento dos principais desafios da saúde pública. O Estado também vai fortalecer a rede de saúde com o Programa SUS Gaúcho, que se baseia em diretrizes como linha de cuidado integral, eficiência hospitalar e remuneração estratégica.
Nos últimos quatro anos, o Programa Assistir promoveu uma reestruturação nos critérios de financiamento hospitalar, dobrando o número de hospitais incentivados, o que resultou em entregas importantes na saúde. Houve a ampliação de serviços, como os ambulatórios de especialidades, que passaram de 101, em 2021, para 443, em 2025 (um aumento de 342%), bem como da remuneração para especialidades que nunca haviam sido incentivadas antes, como a cirurgia bariátrica, os exames de oncologia, o processo transexualizador, entre outros”.
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