
O que são férias coletivas? Sou obrigado a tirá-las? Entenda o que diz a lei
Empresas do setor madeireiro no Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso anunciaram que concederão férias coletivas aos trabalhadores em razão da tarifa de 50% sobre a importação de produtos brasileiros anunciada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Um exemplo é a indústria Randa, fabricante de portas, molduras e compensados em Bituruna, no sul do Paraná. A empresa informou que dará férias coletivas a todos os seus 800 funcionários.
Ao g1, o CEO da empresa, Guilherme Ranssolin, explicou que 55% da produção é destinada aos EUA — e que todos os pedidos do país foram cancelados por causa do tarifaço.
Segundo ele, 400 trabalhadores iniciaram o rodízio de férias coletivas há cerca de 15 dias, e os outros 400 sairão quando os primeiros retornarem ao trabalho. Com isso, metade da produção está paralisada.
Ranssolin afirma que a Randa acumula estoque parado por não conseguir embarcar seus produtos e, por isso, optou por conceder férias coletivas a todos os trabalhadores, na tentativa de evitar demissões.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o governo deve anunciar nesta quarta-feira (13) um pacote de medidas para apoiar exportadores brasileiros afetados pelo aumento de tarifas. As medidas devem incluir linhas de crédito, facilitação de comércio e descontos de impostos.
Enquanto isso, empresas de diferentes setores têm feito como a Randa e recorrido às férias coletivas para ajustar custos e se preparar para um cenário econômico incerto.
A medida, embora legal e prevista na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), gera dúvidas: as empresas podem obrigar seus funcionários a participar das férias coletivas? Se sim, como é feito o cálculo? Os dias podem ser descontados das férias individuais ou da remuneração?
O g1 conversou com especialistas para esclarecer essa e outras dúvidas frequentes.
O que são as férias coletivas?
Em quais situações a empresa pode conceder férias coletivas?
Existe um limite de frequência ou de duração para férias coletivas?
O trabalhador pode recusar as férias coletivas? As empresas podem obrigar a tirá-las?
Já agendei férias individuais e até comprei passagens. E agora?
Em situações como o tarifaço, qual é o papel das férias coletivas?
Qual a diferença entre férias coletivas e programas de suspensão de contratos?
A reforma trabalhista alterou as regras para férias coletivas?
O que a lei poderia prever para proteger mais o trabalhador nesses casos?
O que acontece se empresa utilizar as férias coletivas de forma irregular?
Tarifaço leva indústria de beneficiamento de madeira de MT a planejar férias coletivas
1. O que são as férias coletivas?
Férias coletivas são períodos de descanso concedidos, ao mesmo tempo, a todos os funcionários ou a um setor específico da empresa. Essa modalidade, com regras próprias e diferentes das férias individuais, está prevista no artigo 139 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
O período concedido de férias coletivas é descontado do total de férias anuais a que o empregado tem direito. (entenda abaixo como funciona)
O pagamento segue as mesmas regras das férias individuais: o valor dos dias deve ter acréscimo de 1/3 constitucional e ser pago até dois dias antes do início.
🔎 Se o trabalhador ainda não tiver completado 12 meses de serviço, ele receberá férias proporcionais, conforme o artigo 140 da CLT. Para eles, um novo período aquisitivo começa após as férias.
2. Em quais situações a empresa pode conceder férias coletivas?
As férias coletivas podem ser concedidas em qualquer época do ano, mas costumam ser usadas para reduzir custos e facilitar o planejamento em períodos de menor demanda.
De acordo com a advogada trabalhista Nathalia Sequeira Coelho, do escritório Ferraz dos Passos, não se trata de um recurso para disfarçar demissões ou queda na produção, mas uma ferramenta de gestão para evitá-las.
“Quando usadas de forma estratégica, ajudam a manter empregos de profissionais já qualificados e familiarizados com a atividade, ao mesmo tempo em que cumprem a obrigação legal de conceder férias anuais aos empregados”, completa a especialista.
3. Existe um limite de frequência ou de duração para férias coletivas?
Segundo a advogada trabalhista Ana Gabriela Burlamaqui, sócia do escritório A.C Burlamaqui Consultores, as férias coletivas podem abranger todos os empregados ou apenas setores específicos.
O período pode ser de até 30 dias ou dividido em dois blocos, desde que nenhum tenha menos de 10 dias.
O procedimento exige três requisitos formais:
Comunicar o Ministério do Trabalho com, no mínimo, 15 dias de antecedência;
Fixar aviso nos locais de trabalho;
Notificar o sindicato da categoria.
A comunicação aos próprios empregados também deve ocorrer no mesmo prazo. Se as regras não forem seguidas, a empresa pode ter de pagar o período em dobro.
Além disso, os dias de descanso são contados de forma corrida. Assim, se coincidirem com Natal ou Ano Novo, essas datas não podem ser descontadas.
🚫 Durante as férias coletivas, como nas individuais, o contrato de trabalho fica suspenso e o empregado não pode ser demitido sem justa causa.
As férias coletivas não precisam ser concedidas sobre todo o período de 30 dias, podendo ser apenas 10 dias de forma coletiva e o restante de forma individual, por exemplo.
4. O trabalhador pode recusar as férias coletivas? As empresas podem obrigar a tirá-las?
O empregado não pode se recusar a tirar férias coletivas, salvo em situações previstas em acordo ou convenção coletiva, ou em casos excepcionais. Ou seja, se a empresa decidir conceder férias coletivas a todos ou a um setor, todos os envolvidos devem participar.
Essas férias devem ser comunicadas com pelo menos 15 dias de antecedência. Se o prazo não for cumprido, a concessão pode ser considerada irregular e a empresa obrigada a pagar o período em dobro.
A notificação deve ser feita por escrito, por meio de comunicados internos, e-mails ou avisos nos murais da empresa.
“Cabe ao empregador, por seu poder diretivo, a escolha da data das férias. Vejo como insubordinação, sujeita às sanções disciplinares de praxe”, explica a advogada trabalhista Nathalia Sequeira Coelho.
5. Já agendei férias individuais e até comprei passagens. E agora?
Se a empresa decidir conceder férias coletivas, os funcionários que já haviam marcado férias individuais em outras datas podem ter o período alterado para coincidir com o coletivo.
Mesmo que o trabalhador já tenha comprado passagens ou feito reservas, a empresa pode determinar que as férias sejam tiradas no período coletivo, o que pode sobrepor-se ao planejamento individual.
“Nesses casos, é importante que o funcionário comunique à empresa os compromissos já assumidos para tentar negociar uma solução, mas a empresa não é obrigada a manter as férias individuais previamente agendadas”, diz a advogada trabalhista Luiza Carvalho.
💵 A advogada diz, porém que, caso as férias coletivas causem prejuízos comprovados ao empregado, o empregador poderá ser responsabilizado pelo ressarcimento.
6. Em situações como o tarifaço, qual é o papel das férias coletivas?
Segundo Nathalia Sequeira Coelho, em cenários de crise, as férias coletivas podem funcionar como medida temporária de ajuste, especialmente diante da incerteza sobre a aplicação e o alcance da nova tarifa, por exemplo.
Essa estratégia permite à empresa ganhar tempo para planejar, evitar demissões em massa, reduzir custos operacionais de imediato e ajustar a produção à nova realidade, prevenindo acúmulo de estoque em períodos de queda nas vendas.
🔎 Em outras palavras, trata-se de uma ferramenta para atravessar momentos de instabilidade, adaptando-se ao mercado sem recorrer de imediato a cortes de pessoal.
7. Qual a diferença entre férias coletivas e programas de suspensão de contratos?
As férias coletivas mantêm o vínculo empregatício, são pagas pelo empregador e descontadas do saldo anual de 30 dias. Essa modalidade também está prevista na CLT e não depende da decretação de estado de calamidade pública.
Já o Benefício Emergencial (BEm) permite suspender ou reduzir temporariamente a jornada e o salário mediante acordo, com compensação financeira paga pelo governo. O programa é uma medida emergencial voltada à preservação do emprego, como ocorreu durante a pandemia de Covid-19.
Durante a suspensão do BEm, o empregador não paga salários, e o trabalhador recebe um valor calculado com base no seguro-desemprego. Esse período não é descontado das férias, mas também não conta para aquisição proporcional de novos direitos, salvo previsão legal ou acordo específico.
“As férias coletivas são um descanso remunerado, com ônus financeiro ao empregador. A suspensão de contrato é uma medida temporária excepcional, com custeio parcial pelo governo e suspensão das obrigações contratuais principais”, completa Nathalia Sequeira Coelho.
⚠️ IMPORTANTE: Não foi anunciada qualquer medida excepcional nesse sentido para o cenário do tarifaço.
8. A reforma trabalhista alterou as regras para férias coletivas?
Segundo Nathalia Sequeira Coelho, a reforma trabalhista não modificou diretamente as regras das férias coletivas, mas alterou as férias individuais, que agora podem ser divididas em até três períodos, com concordância do empregado.
Essa flexibilização não se aplica às férias coletivas, que continuam limitadas a, no máximo, dois períodos anuais, cada um com no mínimo 10 dias corridos.
A reforma também permitiu que acordos e convenções coletivas estabeleçam regras próprias para as férias coletivas, como definição de períodos, formas de pagamento e parcelamento do adicional de um terço. Na ausência de regras específicas, valem as disposições da CLT.
Antes da reforma, as férias deveriam ser concedidas de uma só vez para menores de 18 anos e maiores de 50. Este ponto também foi revogado, o que impacta as férias coletivas se forem realizadas em dois períodos.
9. O que a lei poderia prever para proteger mais o trabalhador nesses casos?
Embora a CLT já contenha regras para proteger o trabalhador nas férias coletivas, Nathalia Sequeira Coelho avalia que a legislação poderia avançar, garantindo mais previsibilidade e segurança financeira.
Entre as melhorias possíveis estão:
Ampliar o prazo mínimo de comunicação, tanto para o empregado quanto para o sindicato;
Evitar que as férias coletivas reduzam de forma desproporcional o descanso anual individual;
Exigir que o pagamento seja feito com antecedência maior, assegurando que o trabalhador tenha recursos disponíveis antes do início do período de descanso.
10. O que acontece se empresa utilizar as férias coletivas de forma irregular?
Se a concessão ocorrer de forma irregular — como ausência de comunicação ou fracionamento acima do permitido — o trabalhador pode requerer indenização, inclusive com pagamento em dobro.
As denúncias podem ser feitas ao sindicato, ao Ministério do Trabalho ou ao Ministério Público do Trabalho.
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Reprodução/TV Globo