Mãe de fiscal preso em operação contra dono da Ultrafarma é professora aposentada e ficou bilionária em 2 anos, diz MP


Operação do MP mira esquema de corrupção de mais de R$ 1 bilhão
A mãe do auditor fiscal de alto escalão, que, segundo a investigação do Ministério Público de São Paulo, comandava o esquema de corrupção envolvendo a Ultrafarma e a Fast Shop, é professora aposentada da rede pública e ficou bilionária em apenas dois anos.
O salto patrimonial de Kimio Mizukami da Silva, de 73 anos, foi o que levou os promotores a descobrir o esquema organizado por auditores fiscais tributários da Secretaria de Estado da Fazenda.
No total, seis pessoas — incluindo o dono da Ultrafarma Sidney de Oliveira — foram presas e 19 mandados de busca e apreensão foram cumpridos nesta terça-feira (12) na capital, no interior e na Grande São Paulo (leia mais abaixo).
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Filho da professora aposentada, Artur Gomes da Silva Neto é auditor da Diretoria de Fiscalização (DIFIS) da Fazenda estadual e apontado pela investigação como o “cérebro” por trás do esquema de ressarcimento de crédito tributário que arrecadou cerca de R$ 1 bilhão em propina desde 2021.
👉 Crédito tributário é quando um contribuinte tem direito a ser ressarcido pelo Estado por um valor pago a mais à Receita. No entanto, o processo é complexo, e as empresas enfrentam burocracia e fila para conseguir de volta.
O auditor coletava a documentação necessária da Fast Shop e da Ultrafarma para pedir o ressarcimento de créditos de ICMS na Secretaria da Fazenda. Toda empresa contribuinte varejista tem direito ao ressarcimento, porém o procedimento é complexo e burocrático, segundo os promotores.
Segundo investigação, um auditor fiscal facilitava o processo de ressarcimento de créditos para favorecer empresas em troca de propinas de mais de R$ 1 bilhão.
Arte/g1
Além de acompanhar o processo, o próprio auditor aprovava os pedidos e garantia que não seriam revisados internamente. Em alguns casos, liberavam valores superiores aos que as empresas tinham direito e em prazos mais curtos.
A professora aposentada é sócia da empresa Smart Tax, que era usada para lavar dinheiro do esquema, aponta o MP. Artur participou da fundação da empresa, porém deixou o quadro societário em 2013.
A Smart Tax passou a oferecer serviços de assessoria e auditoria tributária em 2021, quando o esquema de corrupção teve início.
Um dos indícios da lavagem de dinheiro é a “evolução patrimonial absurda” da idosa, segundo os dados da declaração do imposto de renda enviados para a Receita Federal.
Em 2021, o patrimônio da mãe do fiscal era de R$ 411 mil. O valor subiu para R$ 46 milhões no ano seguinte e saltou para R$ 2 bilhões em 2023.
Na declaração de Imposto de Renda, Kimio justificou que o aumento do patrimônio ocorreu em razão da compra de criptomoedas — que teriam sido adquiridas a partir do lucro da Smart Tax.
O promotor João Ricupero explicou, em entrevista coletiva, que a empresa era de fachada e não possuía nenhum funcionário. Segundo ele, a mãe do fiscal também não tinha o conhecimento técnico para atuar nessa área de assessoria tributária.
“A sede da empresa é a casa do fiscal em Ribeirão Pires, onde cumprimos o mandado de busca e apreensão e de prisão. É uma residência, tudo menos uma empresa”, afirmou o promotor Roberto Bodini.
No relatório do MP-SP, que a TV Globo teve acesso, também releva que a mãe do fiscal não participava das reuniões com a Fast Shop mesmo sendo a proprietária oficial da Smart Tax.
“Ficando ainda mais óbvio que, na realidade, é o auditor tributário quem realmente atua em nome da empresa, valendo-se dela para receber o pagamento da propina”, pontua o documento.
O g1 não localizou a defesa de Kimio, investigada por lavagem de dinheiro, até a última atualização desta reportagem.
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Operação
O Ministério Público de São Paulo, com auxílio da polícia, deflagrou nesta terça-feira (12) a Operação Ícaro que visa desarticular um esquema de corrupção bilionário envolvendo auditores fiscais tributários da Secretaria de Estado da Fazenda.
Sidney Oliveira, fundador e dono da Ultrafarma, foi preso em SP
José Patrício/Estadão Conteúdo
Além do auditor Artur Gomes da Silva Neto, outros cinco alvos da operação foram presos:
Sidney OIiveira, dono e fundador da Ultrafarma;
Marcelo de Almeida Gouveia, auditor fiscal;
Mario Otávio Gomes, diretor estatutário do grupo Fast Shop;
Celso Éder Gonzaga de Araújo, dono da casa onde as esmeraldas foram apreendidas;
Tatiane da Conceição Lopes, esposa de Celso, dono da casa em que as esmeraldas foram apreendidas.
Os mandados de buscas e apreensões foram cumpridos nas seguintes cidades: Ribeirão Pires, Barueri, Santana de Parnaíba e Diadema, na Grande São Paulo, Atibaia, Indaiatuba e São José dos Campos, no interior do estado, e na capital paulista.
O esquema teria arrecadado cerca de R$ 1 bilhão em propinas desde maio de 2021. No entanto, as investigações seguem para apurar se começou antes disso.
“As empresas passaram a pagar centenas de milhões de reais para auditores para auxiliarem essas empresas a conseguirem ressarcimento de crédito de ICMS a que tinham direito na Secretaria da Fazenda”, explicou o promotor João Ricupero.
De acordo com o MP, outras grandes empresas do setor varejista podem ter se valido do mesmo esquema para conseguir a liberação dos créditos tributários. No entanto, não foi divulgado o nome de mais nenhuma outra empresa porque as investigações ainda estão em curso.
Segundo os promotores, o auditor coletava as notas fiscais, necessárias para o ressarcimento, fazia ele próprio o pedido de ressarcimento na Secretaria da Fazenda, acompanhava o pedido e, depois, ele mesmo deferia o ressarcimento de créditos.
“Em relação à Ultrafarma, ele tinha, inclusive, o certificado digital da empresa para fazer os pedidos de ressarcimento”, disse Ricupero.
Segundo o promotor Igor Volpato Bedone, esse é o ponto importante: “Ele pedia e deferia o pedido que ele mesmo fazia. Ele ficava com o certificado da empresa. Então, era um ciclo completo”, disse. Em contrapartida, o auditor recebia pagamentos mensais de propina.
Pacote de esmeraldas e de dinheiro apreendidos na operação do MP
Reprodução/TV Globo
Prisões
O fundador da Ultrafarma, Sidney Oliveira, foi preso em casa, uma chácara em Santa Isabel, na Grande São Paulo. O g1 e a TV Globo procuraram a empresa, mas não haviam obtido retorno até a última atualização deste texto.
A defesa do empresário disse que “celebrou há alguns meses um Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) com o Ministério Público de SP, em que seu cliente reconheceu irregularidades tributárias.” Também informou que os valores foram parcelados e estão sendo pagos.
O acordo foi homologado pela Justiça e os valores devidos foram parcelados e estão sendo pagos. Fernando Capez disse ainda que, em relação à operação de hoje, ainda está se inteirando dos motivos que levaram a Justiça a decretar a prisão de seu cliente.
Outro preso é o diretor estatutário do grupo Fast Shop Mario Otávio Gomes, que foi encontrado em um apartamento na Zona Norte de São Paulo. Procurada, a Fast Shop informou “que ainda não teve acesso ao conteúdo da investigação, e está colaborando com o fornecimento de informações às autoridades competentes”.
O auditor fiscal Artur também tinha um parceiro, o Celso, responsável por lavar o dinheiro. Ele e a esposa, Tatiane, foram presos.
Na residência deles, em Alphaville, foram encontrados dois pacotes com esmeraldas, R$ 330 mil e US$ 10 mil (cerca de R$ 54.200), além de 600 euros, dentro de um cofre.
Os investigados poderão responder pelos crimes de corrupção ativa e passiva, organização criminosa e lavagem de dinheiro.
O que diz a Secretaria da Fazenda
Abaixo, leia a íntegra da nota da Secretaria da Fazenda:
“A Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo (Sefaz-SP) está à disposição das autoridades e colaborará com os desdobramentos da investigação do Ministério Público por meio da sua Corregedoria da Fiscalização Tributária (Corfisp).
Enquanto integrante do CIRA-SP – Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos – e diversos grupos especiais de apuração, a Sefaz-SP tem atuado em diversas frentes e operações no combate à sonegação fiscal, lavagem de dinheiro e ilícitos contra a ordem tributária, em conjunto com os órgãos que deflagraram operação na data de hoje.
Além disso, a Sefaz-SP informa que acaba de instaurar processo administrativo para apurar, com rigor, a conduta do servidor envolvido e que solicitou formalmente ao Ministério Público do Estado de São Paulo o compartilhamento de todas as informações pertinentes ao caso.
A administração fazendária reitera seu compromisso com os valores éticos e justiça fiscal, repudiando qualquer ato ou conduta ilícita, comprometendo-se com a apuração de desvios eventualmente praticados, nos estritos termos da lei, promovendo uma ampla revisão de processos, protocolos e normatização relacionadas ao tema.”
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