
Cézar Maurício Ferreira, de 60 anos, foi encontrado morto na cela de uma delegacia
NSC TV/ Reprodução
O dentista Cézar Maurício Ferreira, de 60 anos, foi encontrado morto na cela de uma delegacia de São José, na Grande Florianópolis, horas após ser abordado por uma suposta embriaguez e por apresentar “odor etílico”. Ao contrário da alegação dos policiais, que o prenderam após um acidente de carro, o exame toxicológico confirmou que ele não havia ingerido álcool.
Natural de Ponta Grossa (PR), Cézar também era servidor concursado do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT-SC) e lotado na Coordenadoria de Saúde do órgão. Segundo nota divulgada pela entidade, ele “atuava com dedicação e zelo em sua função pública”.
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Ainda conforme o texto, colegas e amigos destacaram que o profissional mantinha uma “conduta ética e respeitosa no ambiente de trabalho.”
Conforme o Conselho Regional de Odontologia de Santa Catarina (CRO-SC), Cézar se formou em odontologia em sua cidade natal. Especialista em dentística restauradora, se mudou para Florianópolis em 1988, onde construiu carreira na área.
O dentista também integrou a Marinha do Brasil, onde atuou como segundo-tenente. Ele deixa dois filhos.
Cézar Maurício Ferreira foi encontrado morto na cela de uma delegacia em São José (SC)
Reprodução
Causa da morte
O dentista foi preso pela Polícia Militar na noite de 18 de julho por embriaguez ao volante após um acidente de trânsito, e encontrado sem vida horas depois na delegacia.
O exame toxicológico confirmou que não havia álcool no corpo de Cezar. O laudo apontou a presença de analgésico, antibiótico, relaxante muscular e medicamentos para diabetes, depressão e problemas cardíacos. A causa da morte foi arritmia cardíaca, provocada por cardiopatia hipertrófica.
Em coletiva de imprensa na sexta-feira (1º), a Polícia Civil informou que não encontrou indícios de negligência policial na prisão do servidor público, mas disse que adotará novos protocolos de atendimento após o caso.
A Polícia Militar diz que, durante a abordagem, os agentes identificaram sinais de alteração psicomotora e “odor etílico”. Por essa razão, Cezar foi levado à delegacia por suspeita de embriaguez ao volante.
Segundo o advogado da família, Wilson Knoner, Cézar estava sofrendo um infarto agudo e não foi socorrido adequadamente.
Responsável pelo inquérito, o delegado Akira Sato, disse que a investigação concluiu que uma pessoa fora da área médica não teria condições de entender esses sintomas como patológicos.
Dentista morre por arritmia cardíaca em cela de São José
Confira a íntegra da nota da defesa dos policiais:
Acompanhamos, na data de hoje, os policiais militares responsáveis pela condução do Sr. Cezar Maurício Ferreira para prestar depoimento junto à Polícia Civil, em razão de sua participação em um acidente de trânsito. Na ocasião, foram constatadas irregularidades como licenciamento vencido, carteira nacional de habilitação fora da validade e sinais evidentes de embriaguez.
Antes de qualquer consideração, é fundamental expressar nosso respeito à dor dos familiares e ao luto decorrente da perda. No entanto, diante das informações divulgadas por alguns veículos de imprensa – especialmente aquelas que insinuam condutas indevidas por parte dos policiais militares –, alguns esclarecimentos se fazem necessários:
O laudo pericial indicou a ausência de ingestão de bebida alcoólica. Contudo, é inegável que o Sr. Cezar apresentava sinais clínicos compatíveis com embriaguez. A Polícia Militar, cumpre frisar, não realiza exame toxicológico ou pericial, apenas lavra o Auto de Constatação de Sinais de Alteração da Capacidade Psicofísica, conforme previsto em lei. Tal procedimento tem por finalidade relatar sinais observáveis, e não emitir diagnóstico conclusivo sobre embriaguez.
Cabe esclarecer ainda que, salvo manifestação expressa do próprio cidadão, não é possível aos policiais presumirem a existência de patologias pré-existentes ou situações médicas específicas. Durante toda a abordagem, o Sr. Cezar não relatou qualquer mal-estar ou condição de saúde que justificasse encaminhamento médico.
Ressaltamos que profissionais envolvidos na ocorrência – tanto da Polícia Militar quanto da Polícia Civil – possuem décadas de atuação e experiência no serviço público. Todos chegaram à mesma constatação (embriaguez) com base nos sinais apresentados.
O lamentável desfecho do caso trata-se de uma fatalidade, profundamente sentida por todos. Reafirmamos, contudo, que não houve qualquer tipo de negligência ou conduta imprópria por parte dos agentes públicos.
Mais provas da abordagem serão devidamente encaminhadas às autoridades competentes para contribuir com a elucidação dos fatos.
O que diz a família de Cezar?
A família do Dr. Cezar Maurício Ferreira tomou conhecimento, por meio da imprensa, do conteúdo apresentado na entrevista coletiva desta manhã feita pelos representantes dos Órgãos de Segurança Pública, na qual foi anunciada a conclusão do inquérito policial sobre sua morte.
Até o presente momento, o Advogado da família não teve acesso oficial ao relatório preliminar ou relatório final e nem aos novos laudos e documentos mencionados na coletiva. Nossa solicitação foi feita ontem. Com a liberação do conteúdo, faremos a análise técnica e jurídica aprofundada que o caso exige.
Não obstante, com base no que já temos, é possível verificar que subsistem indagações e questões sem respostas. Sobre isso, faremos uma manifestação detalhada sobre cada ponto da coltiva e do inquérito (e se chegar o material faltante, será incluído), que será apresentada em nossa própria coletiva de imprensa, hoje, às 14h.
E independentemente do teor específico do relatório do inquérito, a posição da família e a expectativa da sociedade permanecem inalteradas. A única resposta à altura desta tragédia é a apresentação de um novo protocolo de abordagem policial, revisado e focado em preservar a vida, para que a insana sequência de erros que levaram o Dr. Cezar a uma prisão ilegal e a uma morte sem socorro médico nunca mais se repita.
A coletiva era a grande oportunidade que as autoridades tinham para demonstrar com o que realmente se preocupam: com a vida humana, com a segurança dos cidadãos de bem, tal como era o Dr. Cezar.
Para se chegar a isso, porém, só existe um caminho: cortar na própria carne. Isso significa que o relatório final do inquérito, para ter credibilidade, precisa ter mapeado e identificado, sem rodeios, todas as causas das ilegalidades e dos erros cometidos. A começar pelo pilar que sustentou toda a tragédia: a alegação de um “odor etílico”. Essa premissa foi desmentida pela ciência, mas foi a base para a afirmação da “embriaguez ao volante”, para a prisão e para a negligência na interpretação de sinais de um homem que precisava de socorro médico, e não de prisão.
Além disso, há muitas respostas que a família e a sociedade ainda aguardam, e que esperamos tenham sido respondidas na coletiva das autoridades e no inquérito:
Por que a família jamais foi comunicada oficialmente da detenção ou da morte, numa clara violação do Código de Processo Penal e de direitos humanos fundamentais? Se após a morte foi possível encontrar amigos nas redes sociais, por que o mesmo empenho parece não sido empregado para localizar um parente enquanto ele ainda estava vivo e precisava de ajuda?
Se não houvesse a falsa alegação de “odor etílico”, o Dr. Cezar teria sido levado para a delegacia ou para um hospital, como mandaria o bom senso?
O que acontece com um policial que afirmou existir “odor etílico” em um documento público (usado como base para mandar o Dr. Cezar para a gélida cela) e em dois depoimentos, se o laudo toxicológico provou inexistir álcool no Dr. Cezar?
Por que a sua condição cardíaca, evidenciada por uma cicatriz de marcapasso, foi completamente ignorada? Houve constatação e indicação da concentração dos medicamentos encontrados no sangue do Dr. Cezar? A concentração de 00,00000001mg ou 1g de medicamento é irrelevante para determinar se foi a causa da desorientação visível e mal estara que acometeram o Dr. Cezar?
Por que ignoraram as hipóteses de um AVC ou de um infarto durante a abordagem, a prisão e todo o período em que ele esteve sob custódia na cela?
No interrogatório do Dr. Cezar, a presença física da autoridade mais experiente aumentaria ou não as chances de perceberem a emergência médica? Ou um interrogatório virtual é algo indiferente para fins de chances de evitar a morte de alguém que precisava de socorro?
As autoridades de Santa Catarina estão diante de um dilema que foi exposto ao público às 9h da manhã. Ou apresentam uma investigação que gerou um protocolo novo, criado para salvar vidas e que assume as falhas fatais que ocorreram, cortando na própria carne para evoluir; ou se limitarão a uma narrativa superficial, na tentativa de justificar o injustificável: a prisão e a morte de um inocente, cuja reputação não será assassinada.
No fim, a escolha é simples: ou as autoridades agem para salvar a sociedade de futuras tragédias, ou agem para salvar agentes públicos das consequências de seus erros. As duas coisas não podem coexistir em um Estado que se pretende sério e seguro para seus cidadãos.
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