
Douglas Silvestre é natural de Pimenta Bueno, em Rondônia.
Divulgação/Bruliz
“Tem que ser inteligente para falar sobre erotismo.” É mais ou menos com essa frase que o jovem Douglas Silvestre, de apenas 21 anos, abre seu disco mais recente — O Que As Mulheres Querem. Natural de Pimenta Bueno, cidade com menos de 35 mil habitantes em Rondônia, Douglas veio para São Paulo em 2024 para se firmar como um dos produtores mais interessantes da cena brasileira atual.
E ele conseguiu. Com mais de 1 milhão de ouvintes mensais no Spotify, a música de d.silvestre toca em todo tipo de festa, se consolidou como presença importante no funk paulista e chamou a atenção da mídia especializada internacional.
O projeto NOVAS FREQUÊNCIAS, do g1 SP, traz uma série de entrevistas com músicos e produtores de São Paulo que estão explorando gêneros, sons e novas maneiras de criar música na capital.
NOVAS FREQUÊNCIAS – Remix com Pabllo Vittar, palco com Charli xcx: conheça CyberKills, dupla que saiu do quarto e invadiu festas pelo país
Com um som marcado por barulhos de bolhas, tuins e graves pesados, Douglas virou referência do funk paulista nas revistas “The Fader” e “Pitchfork”. A última delas, aliás, incluiu “Taka Fogo em Kiksilver”, música do produtor brasileiro na lista de melhores lançamentos de 2024, ao lado de nomes como Kendrick Lamar, Beyoncé e Billie Eilish.
Mas, para contar a história de Douglas, é preciso voltar alguns anos. Fuçando seu perfil no SoundCloud — plataforma utilizada por músicos e produtores — já dava para notar por onde ele começou: faixas em estilo mais lo-fi, com guitarras e sem os elementos eletrônicos do funk.
Entre 14 e 16 anos, Douglas aprendeu a tocar baixo e violão, e passou a participar de bandas que tocavam forró, sertanejo e piseiro, gêneros mais populares em Rondônia, segundo ele mesmo. Com o tempo, se interessou pelo funk paulista, especialmente pela vertente bruxaria, e começou a produzir por volta de 2022.
🎧Para ouvir:
Bolhas Maquiavelicas – d.silvestre
Sem Moralismo – d.silvestre e Bia Soull
Ela Trava – d.silvestre e MC Du Red
“Infelizmente o polo cultural do Brasil ainda está no eixo São Paulo–Rio, né? Então não tinha como crescer fazendo o que eu faço [produção musical] em Rondônia. Do jeito que eu faço, não tinha como. Depois da pandemia, me preparei, peguei uma grana de royalties que já tinha ganhado com música, juntei mais um pouco trabalhando com outras coisas e corri para São Paulo”, contou ao g1.
O convite para tocar num baile do Ramemes, em novembro de 2024, foi o estopim. “Não conhecia ninguém, não tinha onde ficar e só vim. Hoje eu olho para trás e vejo que foi uma completa loucura, mas na época fazia sentido.”
Douglas se mudou para São Paulo em 2024.
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A viagem, que era para durar duas semanas, acabou virando mudança definitiva. No início, ele dormiu na casa de amigos de conhecidos até se estabilizar. Hoje, mora com outro nome conhecido da cena: o DJ Adame.
“Meu maior problema de verdade era a distância, mano. E o quão centralizado é o mercado artístico no Brasil. Se tu nasceu numa cidadezinha qualquer, o bagulho vai ser umas oito vezes mais complicado. Lá na minha cidade tinha 30 mil habitantes. Para eu fazer um clipe? Não tinha como. E quando tinha, era muito caro”, afirma.
“Além disso, é difícil se deslocar. Imagina quem vai te trazer de Rondônia para tocar em SP, sendo mais de R$ 2 mil só de passagem. A distância pesa demais. É muito difícil estar longe do polo artístico — que é o Sudeste”, completa.
‘Tem que ser inteligente para falar de erotismo’
Jovem tem mais de 1 milhão de ouvintes no Spotify.
Divulgação
Como em boa parte do funk, o sexo é um tema constante nas produções de d.silvestre. Mas ele diz que tenta dosar a quantidade de letras sexualmente explícitas para evitar o que chama de “chulo pelo chulo”.
“Não dá para ficar nessa de querer limpar ou censurar, sabe? Porque, querendo ou não, é isso que o público quer ouvir. O som torando. A rapaziada quer ouvir coisas da vibe, coisas sensuais. Na minha produção, por exemplo, eu tento colocar letras legais, que não são óbvias. Eu tenho uma sensibilidade maior na hora de produzir. Tenho, inclusive, tentado abstrair o uso da acapella para não pesar tanto o som.”
Acapella, no contexto do funk, é a voz do MC.
“Não acho que a gente tenha que censurar ou deixar tudo clean. Mas tem que pensar num jeito de não ficar tão escrachado. Não é falar de sexo só por falar. Como eu digo na música: tem que ser inteligente pra falar de erotismo.”
Capa do disco O Que As Mulheres Querem.
Reprodução
Desconstrução do funk e medo de se perder
Essa redução do uso da voz é um movimento que vem crescendo nos últimos trabalhos do artista. Comparando seus dois álbuns mais recentes — o homônimo de 2024 e O Que As Mulheres Querem, de 2025 —, é quase um sinal de amadurecimento criativo.
“Eu ficava nessa de fazer funk, fazer funk, mas comecei a entrar num processo de desconstrução. Queria fazer um som novo. Tem muita música no mundo, muita coisa para ouvir, criar, misturar. Comecei a pensar: e se eu só fizer música? Música com a minha cara. Algo do meu jeito. Estou nesse processo. Estou me caçando nesse processo. E desse lugar saiu este álbum.”
Essa busca por autenticidade constante se relaciona com um medo de ficar ultrapassado — algo comum em quem trabalha com um gênero em transformação constante.
“Tento sempre me colocar um passo à frente. Fico de olho no que as pessoas estão fazendo, para não perder o ritmo. Eu sou péssimo para fazer planos de longo prazo, de ver lá na frente. Sempre quis que desse certo, claro. Queria viver disso. Queria que minha vida fosse isso: fazer musiquinha e tocar por aí.”
“Mas se eu falasse para você que sabia que ia estar aqui agora, DJ falando com o g1, saindo em revista gringa e tudo, eu estaria mentindo. Eu não imaginava. Mas é algo que eu sempre busquei. Sempre quis ser muito bom. Sempre fui muito obcecado com isso. Acho que desejei demais. E deu certo.”
d.silvestre.
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