
Simone é mãe de três filhos que estudam em uma escola da rede municipal
Arquivo pessoal
Pouco mais da metade dos alunos da rede municipal de Sorocaba (SP) foi alfabetizada até o 2º ano do ensino fundamental em 2024, segundo o Indicador Criança Alfabetizada, índice utilizado para verificar se as crianças dominam habilidades de escrita e leitura. Apesar da taxa ter aumentado de 47,9% para 52,43%, a cidade ainda está abaixo da meta estipulada para o ano passado.
Divulgado no dia 11 de julho pelo Ministério da Educação (MEC), o indicador é calculado a partir do resultado de avaliações aplicadas pelos governos estaduais. Essas provas, por sua vez, consideram itens definidos pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) (entenda como a taxa é calculada abaixo).
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Em Sorocaba, participaram 88% dos alunos matriculados até o 2º ano do ensino fundamental. Dessas crianças, 52,43% está alfabetizada – 0,72% abaixo da meta. O índice aumentou 5,96% desde 2023, quando era 47,9%.
Atualmente, as crianças matriculadas na rede municipal de Sorocaba estão no nível 2 de alfabetização. O MEC atribui seis níveis de proficiência:
Abaixo do nível 1: até 40% das crianças alfabetizadas;
Nível 1: entre 40% a 50%;
Nível 2: entre 50% a 60%;
Nível 3: entre 60% a 70%;
Nível 4: entre 70% a 80%;
Nível 5: entre acima de 80%.
Assim como em Sorocaba, a maioria do estado de SP está no nível 2 (27%) e apenas 13% atingiu o nível máximo de alfabetização.
Outros 300 municípios paulistas também ficaram abaixo da meta estipulada pelo Indicador Criança Alfabetizada. 319 cidades ultrapassaram a meta e apenas dois atingiram o nível proposto. Veja a situação por cidade no mapa abaixo:
Problemas regionais e questões socioculturais
A coordenadora do curso de pedagogia na Universidade de Sorocaba (Uniso), Albertina Paes Sarmento, enxerga como complexo todo esse processo. De acordo com a profissional, os professores estão constantemente se readaptando para se encaixar em novas exigências pedagógicas.
“A complexidade crescente das avaliações educacionais, somada à inclusão de novos critérios, como produção textual e inferência em leitura, tem exigido dos professores significativas adaptações, que ainda estão em fase de consolidação. É preciso reconhecer que o processo de aprendizagem demanda tempo, sensibilidade e respeito às singularidades dos alunos”, detalha.
Ao g1, a mestre em educação explica que a maior complexidade da análise é considerar os diversos desafios que permeiam o processo de ensino, que pode ser altamente influenciado por questões sociais, culturais e até mesmo religiosas. Sendo assim, o professor responsável pela alfabetização dos alunos deve ter autonomia para escolher o método mais adequado.
“É fundamental que o professor tenha liberdade para organizar um conjunto de estratégias que contribuam para a eficácia de seu próprio trabalho e, também, para que os alunos absorvam o conhecimento direito”, comenta.
“Porém, há fatores que prejudicam o processo, como a implantação de projetos que nem sempre estão relacionados com o projeto pedagógico da instituição, a ausência de estudos coletivos sobre o projeto político-pedagógico da escola e a carência de diálogo professor-responsável”, complementa.
Taxa de alfabetização em Campinas está abaixo da meta
Reprodução/EPTV
Na visão de Albertina, há impasses regionais que, além de variar de acordo com a localidade, podem impactar diretamente o processo de aprendizado dos alunos, como a infraestrutura, clima e características geográficas. No caso de Sorocaba, o ideal seria o aumento do número de profissionais.
“A cidade possui iniciativas que são promissoras e reconhecidas nacionalmente, mas precisa ampliar o número de professores qualificados. Além disso, deve-se fortalecer a formação contínua, garantir políticas que transitem entre os setores e adaptar as metodologias às realidades locais, para que a alfabetização seja atingida e concluída com êxito”, diz.
A coordenadora ainda pontua o aumento da porcentagem em comparação com a pesquisa anterior. Mesmo não atingindo a meta estipulada pelo MEC, ela acredita que a gestão tem olhado para a questão com mais cautela e, para aumentar ainda mais, são necessárias algumas medidas que devem ser adotadas a curto prazo.
“Ainda há problemas que precisam ser enfrentados com maior intensidade. É importante investir em apoio especializado para crianças com dificuldade e, em curto prazo, introduzir o reforço escolar com foco em leitura e escrita, utilizar a sala de leitura das escolas com maior frequência e, junto de tudo isso, oferecer capacitações práticas, como o método fônico e leitura compartilhada”, descreve.
Sobre isso, a Secretaria da Educação diz que os índices abaixo da meta ainda são reflexos do período pandêmico, e que investiu em recursos tecnológicos como lousas digitais, tablets e chromebooks, “bem como na implementação de projetos que ampliam o tempo de permanência nas escolas e aumentam a segurança alimentar dos estudantes como as ‘Oficinas de Aprendizagem’, que trabalham no contraturno o reforço escolar e o projeto ‘Eu Pratico Esporte Educacional Escolar’, que dissemina a prática de esportes.”
Também destacou algumas ações, como:
Formação de professores – projeto Alfabetiza Juntos SP;
Utilização do material Currículo em Ação, prioritariamente, em toda a rede, alinhado ao Currículo Paulista;
Orientações contidas no Caderno de Orientações e Planejamento 2025, no qual existe uma seção de alfabetização;
Construção do Documento Curricular da rede municipal;
Utilização da plataforma de leitura Elefante Letrado;
Aplicação do teste de Fluência Leitora para acompanhamento do processo de evolução dos níveis de fluência leitora das crianças;
Monitoramento da consolidação de habilidades, de acordo com as matrizes de referência das avaliações externas, por meio das avaliações na Plataforma do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada (CNCA).
80% em cinco anos
A meta definida para Sorocaba, conforme o Indicador Criança Alfabetizada, é chegar a 58,32% neste ano, 2025, e 80% em 2030, daqui a cinco anos. Veja a projeção abaixo:
Como a taxa é calculada
Segundo o MEC, a prova contém 19 questões, sendo 16 de múltipla escolha e três abertas, além de uma redação. Os dados coletados são posteriormente alinhados em âmbito nacional, o que permite calcular o indicador de forma padronizada. Entre outubro e novembro de 2024, aproximadamente 2 milhões de estudantes foram avaliados nas próprias escolas, em todo o país.
O critério que define a criança alfabetizada foi estabelecido em 743 pontos na escala do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Esse padrão foi definido em 2023 com base na Pesquisa Alfabetiza Brasil, conduzida pelo Inep.
Alcançando essa pontuação, o estudante é considerado capaz de ler palavras, frases e textos curtos, identificar informações diretas em bilhetes, crônicas e trechos de contos infantis, além de fazer pequenas inferências em textos que combinam elementos escritos e visuais.
O professor universitário Rafael Ângelo Bunhi Pinto explica que, durante o processo, denominado “Compromisso Nacional Criança Alfabetizada”, são englobados cinco eixos: gestão e governança, formação, estrutura física e pedagógica, reconhecimento de boas práticas e sistemas de avaliação.
“Em cada um deles, há distribuições voltadas para cada estado e/ou município. O projeto estabelece, entre seus princípios, a promoção da equidade educacional, sendo considerados aspectos regionais, socioeconômicos, étnico-raciais e de gênero para estabelecimento de metas de alfabetização nos estados e municípios”, diz.
Rafael é professor universitário, pesquisador e doutor em educação
Arquivo pessoal
Além de medir o nível de ensino das crianças até o segundo ano do ensino fundamental, o processo possui um objetivo secundário: assegurar que os alunos que apresentaram alguma deficiência sejam recompensados.
“O objetivo geral é garantir que todas as crianças estejam alfabetizadas até o final do ano letivo avaliado, mas também busca assegurar que aquelas crianças que não tenham alfabetização consolidada tenham recomposição de aprendizagens em leitura e escrita entre o 3º e o 5º ano. Esse objetivo foi definido em razão dos déficits durante a pandemia de covid-19”, pontua.
Para Rafael, que também é pesquisador e doutor em educação, os índices e indicadores são importantes para monitorar a efetividade de políticas públicas. Porém, o professor critica o fato da pesquisa ser, por muitas vezes, a única utilizada para tomada de decisões.
“As análises desses índices devem ser feitas de forma mais global, levando-se em consideração dois formatos de avaliação: a ‘avaliação educacional ou da aprendizagem’, que se preocupa com a aprendizagem de conhecimentos, habilidades e atitudes, e a ‘avaliação institucional ou de políticas públicas’, que busca avaliar as instituições como um todo ou as políticas públicas, envolvendo programas, planos e projetos, em seu caráter global e contextualizado.”
“Há três questões que são essenciais para a melhora da qualidade da educação básica e dos indicadores. A primeira é que haja a valorização dos docentes, em termos de salários e progressão funcional. A segunda é sobre programas de formação continuada que se relacionem com as diretrizes curriculares e, a terceira, se relaciona às condições de trabalho e infraestrutura das escolas”, finaliza.
‘Sensação de abandono’
Dois dos filhos de Simone são neurodivergentes
Arquivo pessoal
Simone Brunetti é mãe de três filhos – sendo dois deles neurodivergentes – e todos estudam no ensino fundamental de uma escola da rede municipal de Sorocaba. De acordo com ela, os mais velhos enfrentaram diversas dificuldades de aprendizado no sistema público e, por conta disso, os desenvolvimentos intelectuais das crianças acabaram sendo afetados.
“Como mãe e alguém que acompanha a educação municipal de perto, há muita coisa que precisa ser revista. A falta de continuidade no ensino, os inúmeros professores eventuais, a ausência de materiais pedagógicos básicos e o despreparo de alguns profissionais impactam diretamente no desenvolvimento de todas as crianças”, pontua.
Para ela, há uma sensação de abandono que persiste no ensino das crianças. No entanto, ela acredita que o problema seja uma junção de diversas questões, entre elas, a superlotação das salas e até mesmo a desvalorização dos professores.
“A secretaria responsável tem sido negligente e desconectada com a realidade das escolas. As demandas são ignoradas e a sensação é de completo abandono. Faltam psicopedagogos, psicólogos, mediadores, etc. E o professor, que já está sobrecarregado, sem apoio, com salários defasados e doente física e mentalmente, é quem acaba tentando lidar com tudo isso sozinho”, lamenta.
Ao g1, uma professora, que preferiu não se identificar, dá aula para o 1º ano em uma escola da rede municipal de Sorocaba. Conhecendo o funcionamento da educação na cidade, ela acredita que a falha principal está relacionada ao próprio sistema.
“São salas muito lotadas, há a falta de profissionais de apoio para as inclusões… Em algumas turmas, existe ainda o problema de não ter professor fixo. Mesmo quando o último concurso público estava vigente, a prefeitura não os convocava”, relata.
A docente ainda revela que, na escola em que ela trabalha, há diversas crianças com problemas relacionados à aprendizagem. Em alguns casos, existem alunos que chegam até ao 5º ano do ensino fundamental – isto é, entre nove e dez anos – sem saber ler e escrever.
“Toda turma tem casos assim, de alunos com ensino abaixo do esperado para o ano em que ele está matriculado. Mas, são muitos fatores além do ensino, como a saúde, a estrutura familiar, o psicológico e a necessidade de atendimentos terapêuticos, como psicóloga e psiquiatra”, conta.
“Não consigo especificar uma média de quantos alunos passam por situações do tipo a cada ano letivo. Eu trabalho com turmas de 1º ano, que é quando a alfabetização começa. Ela deve terminar até o final do 2º ano, com a criança próximo dos sete anos. Há alunos mais velhos que não conseguem fazer uma conta matemática simples. Dizendo sobre a minha experiência, o índice era ainda maior em comunidades carentes”, completa.
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