Canto de Nana Caymmi se consolidou com álbum que completa 50 anos com o mesmo brilho atemporal de 1975


Nana Caymmi (1941 – 2025) legou discografia coerente, impulsionada com o álbum lançado em 1975 pela pequena gravadora CID
Lívio Campos / Divulgação
Capa do álbum ‘Nana Caymmi’, de 1975
Ronaldo Cientista com arte de Luiz Pessanha
♫ MEMÓRIA
♫ O sobrenome nobre pode até ter aberto portas para Nana Caymmi, que debutou como cantora em 1960 em dueto com o pai, um certo Dorival Caymmi (1914 – 2008), mas nem por isso a artista teve um caminho fácil no mercado fonográfico.
Sim, Dinahir Tostes Caymmi (29 de abril de 1941 – 1º de maio de 2025) teve que lutar para se fazer ouvir e se impor como cantora de personalidade forte. Tanto que, após o primeiro álbum, lançado em 1965 pela gravadora Elenco, Nana esperou dez anos pela oportunidade de gravar um segundo álbum no Brasil.
O mercado estava tão refratário para o canto da artista que, entre um disco e outro, Nana partiu para a Argentina, onde gravou em junho de 1973 um álbum editado pela gravadora Trova.
Foi somente em 1975 que, com o aval do produtor musical Durval Ferreira (1935 – 2007), a cantora gravou o segundo álbum para o mercado brasileiro pela pequena gravadora nacional CID. Um disco de brilho atemporal intitulado Nana Caymmi.
Esse álbum completa 50 anos em 2025 com o mesmo viço e com a importância histórica de ter sido o disco que consolidou o canto de Nana Caymmi, que, a partir de então, construiu com regularidade uma discografia extremamente coerente que alcançou picos de beleza e expressão artística entre os anos 1970 e 1990, mas que nunca perdeu a relevância. Nana Caymmi, o álbum já cinquentenário de 1975, tem ficha técnica estelar que já apontava para a importância e o prestígio da cantora.
“Andei por andar… andei e todo caminho deu no mar”, escreveu Nana na contracapa, reproduzindo versos de Quem vem pra beira do mar (1954), uma das canções praieiras do pai Dorival Caymmi, representado no álbum pelos sambas-canção Só louco (1955) – standard lançado há então 20 anos na voz grave do próprio Dorival – e Saudade (parceria com Fernando Lobo, de 1947).
Saudade é a música que encerra o álbum em tom melancólico em bela gravação feita por Nana com arranjo do irmão Dori Caymmi – creditado como assistente de produção do disco, produzido sob direção artística de Durval Ferreira – e com cordas de Peter Daulsberg e Orquestra, além dos toques da flauta do outro irmão Danilo Caymmi e do violão de Toninho Horta.
Guitarrista associado ao Clube da Esquina e um dos músicos arregimentados para o disco, ao lado de virtuoses como o baterista Robertinho Silva, Horta é o autor da canção Beijo partido (1975), que se tornaria a faixa mais conhecida do álbum Nana Caymmi por ter sido propagada na trilha sonora da novela Pecado capital (1975 / 1976), exibida com sucesso retumbante pela TV Globo.
Exposto na capa do álbum, nas fotos de Nana feitas na praia por Ronaldo Cientista, o mar bateu já na música que abre o disco, Ponta de areia (1974), regravada por Nana com os vocais divinos de Milton Nascimento, parceiro de Fernando Brant (1946 – 2015) na canção lançada no ano anterior na voz de Elis Regina (1945 – 1982).
O álbum Nana Caymmi está alicerçado nos cânones e nos compositores que sustentariam a obra fonográfica da cantora. Contudo, há um compositor – o então ascendente soulman Carlos Dafé – que somente foi gravado por Nana nesse disco de 1975. Gravado em dose dupla, aliás. Dafé é o compositor dos sambas Acorda que eu quero ver (1975) e Passarela (1975), com destaque para a beleza majestosa desse último.
Arranjador de nove das dez faixas do álbum, Dori Caymmi conferiu refinada unidade ao repertório. A exceção é Canção em modo menor (1963), música menos conhecida da parceria de Antonio Carlos Jobim (1927 – 1994) com Vinicius de Moraes (1913 – 1980). Nana gravou a canção somente com o toque do piano de Tom Jobim em clima solene, dramático.
De Vinicius, a cantora também deu voz ao samba-canção Medo de amar (1958), música que permaneceria no repertório de Nana, sobretudo em discos ao vivo como Só louco (1989) e No coração do Rio (1997).
Principal trunfo do álbum depois do canto de Nana, a maestria dos arranjos de Dori Caymmi é exemplificada pela arquitetura do registro denso de Tens (Calmaria) (1974), música de Ivan Lins – compositor que se tornaria recorrente na discografia de Nana – em parceria com Ronaldo Monteiro de Souza. A faixa é embalada pelas cordas orquestradas por Peter Dauslberg.
Reforçando os laços familiares, Nana também gravou Branca, parceria do então pouco conhecido Danilo Caymmi, irmão caçula da artista, com João Carlos Pádua.
Enfim, já estava tudo ali, há 50 anos, em Nana Caymmi, álbum que deu um norte seguro à trajetória dessa grande e imortal cantora do Brasil que partiu para a eternidade há quase dois meses.
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