
Caprichoso e Garantido dividem Parintins em uma disputa que transforma a ilha em dois territórios marcados por tradição, toadas e rivalidade. Rivalidade entre Caprichoso e Garantido divide a ilha de Parintins em azul e vermelho
Parintins, ilha localizada no arquipélago de Tupinambarana, a 370 km de Manaus, vive há mais de 58 anos uma tradição marcada por festa e rivalidade.
No coração da Amazônia, Parintins entra no clima do Festival Folclórico durante o mês de junho e revela uma divisão que vai muito além da arena, chamada de Bumbódromo, por ter sido construída em formato de cabeça de boi.
A disputa transforma a cidade em dois territórios: o azul do Caprichoso e o vermelho do Garantido. Nessas cores, a paixão pelo bumbá toma conta de ruas, famílias e tradições.
Saiba tudo sobre o Festival de Parintins 💙❤️
Placas de trânsito, faixas de pedestres e até grandes marcas que patrocinam o evento adotam as cores dos bois.
E o que está em jogo em 2025? O título de campeão. Nos últimos três anos, o Caprichoso venceu o festival e busca o tetracampeonato inédito. Já o Garantido é o maior campeão da história, tentando conquistar o 33º título.
E para acompanhar os festejos, só é possível chegar a Parintins de avião ou barco — uma viagem de cerca de 12 horas pelo rio Amazonas. Neste ano, o festival será realizado nos dias 27, 28 e 29 de junho, com três noites de espetáculo protagonizadas pelas duas associações folclóricas.
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Por muitos anos, e até hoje, Parintins pode ser considerada dividida por redutos: na parte baixa da cidade concentra-se a área do Boi Garantido, enquanto na parte central predomina o Boi Caprichoso.
Com o tempo, essa divisão física se tornou menos rígida, com famílias se misturando, mas as torcidas seguem separadas, cada uma com sua paixão.
No bairro da Francesa, a força do Caprichoso embala os torcedores, enquanto na Baixa do São José a tradição do Garantido pulsa forte.
Essa divisão entre azul e vermelho aparece nos detalhes da cidade: faixas de pedestres pintadas em cores diferentes, bancos de praça, calçadas e placas de sinalização também refletem essa dualidade, que se intensifica durante a semana do Festival de Parintins.
A divisão da cidade também aparece nos produtos vendidos no comércio: até carrinhos e cestas de supermercado são decorados nas cores azul e vermelho, dos bois.
A separação é marcada na frente da Catedral Nossa Senhora do Carmo, um dos cartões-postais de Parintins. Localizada na área central, a catedral teve papel importante na criação do Festival Folclórico, que surgiu para arrecadar fundos para a conclusão da construção do templo.
Rivalidade entre Caprichoso e Garantido separa Parintins em azul e vermelho.
Patrick Marques/g1 AM
Caprichoso: boi preto com estrela azul na testa ⭐
O berço do Boi Caprichoso é o bairro da Francesa, localizado na parte central da ilha. Também conhecido como Urubuzal, é onde o Caprichoso nasceu, cresceu e se fortaleceu com os torcedores do lado azul de Parintins. Outros redutos tradicionais do Touro Negro são os bairros Palmares e Macurany.
Karina Cid, ex-sinhazinha da fazenda e descendente de Roque Cid — um dos fundadores do Caprichoso —, é mãe da atual sinhazinha do boi azul e branco, Valentina Cid, e mora no Macurany.
Segundo Karina, a divisão da cidade aconteceu naturalmente, pois os torcedores de cada boi vieram das regiões onde os fundadores viveram.
“Da Catedral para cá é Caprichoso, e para cima é o contrário. Sempre foi assim. Eles vieram de lá, e a gente sempre veio daqui. Acho muito importante, muito legal. Se a brincadeira foi escrita assim, vamos seguir. Tem rivalidade, sim. Alguém do contrário não pode nem brincar com o Caprichoso por aqui”, contou Karina Cid.
ex-sinhazinha da fazenda, Karina Cid, é descendente de Roque Cid, um dos fundadores do Boi Caprichoso..
Patrick Marques/g1 AM
Nem todos os moradores dos bairros tradicionais torcem pelo boi predominante na região. Benedita Marlene Freitas Serrão, de 73 anos, paraense que se mudou para Parintins com a família nos anos 70, se apaixonou pelo Festival.
Inicialmente, a família morava no bairro onde o Garantido foi criado, e ela torcia pelo boi vermelho. Anos depois, ao se mudar para Palmares — conhecido por ser majoritariamente azul, torcedor do Caprichoso — Benedita manteve o amor pelo seu boi, sem perder a paixão pelo Garantido.
Um mês antes do Festival, ela se reuniu com vizinhos que também torcem pelo Garantido e enfeitaram a frente das casas com bandeirinhas vermelhas e brancas, além de bandeiras do boi. Isso gerou uma “rivalidade saudável” com os demais moradores do bairro, que são torcedores do Caprichoso.
Benedita Marlene Freitas Serrão, de 73 anos, é paraense e se mudou para Parintins com a família nos anos 70 e se apaixonou pelo Festival.
Patrick Marques/g1 AM
“A gente brinca de vez em quando na rua, ali na esquina. Os torcedores do Garantido ficavam de um lado, os do Caprichoso do outro. Achei legal que, no fim da brincadeira, todo mundo acabou se juntando, lado a lado. Isso é o mais bonito. Por mais que exista a rivalidade, somos vizinhos. Ninguém precisa brigar. A disputa mesmo é só dentro da arena”, disse Benedita.
Garantido: boi branco com coração vermelho na testa ❤️
Lar do Boi Garantido, a Baixa do São José — também conhecida como Baixa da Xanda — fica no lado esquerdo de Parintins e guarda a história de Lindolfo Monteverde, criador do boi em 1913. Outros bairros tradicionais do lado vermelho da cidade incluem Itaguatiga, São Benedito e João Novo.
Neta de Lindolfo, Cleumara Monteverde mora na Baixa da Xanda, berço do chamado Boi do Povão, e reforça com orgulho a tradição vermelha do local:
“Nós temos vários bairros que se entrelaçam com a Baixa do São José, com a Baixa da Xanda. Aqui não entra azul. A faixa de pedestre é vermelha, tudo é vermelho, e não tem conversa fiada com o contrário. Aqui é Baixa, é Xanda, é reduto dos Monteverde, é reduto do povo campeão”, afirmou.
Neta do fundador do boi Garantido, Cleumara Monteverde (à esquerda), mora na Baixa da Xanda, berço e tradição do Boi do Povão.
Matheus Castro/Rede Amazônica
Assim como nos bairros tradicionais do Caprichoso, também há torcedores do boi azul em regiões onde o Garantido predomina — como é o caso do pescador e peixeiro Silvério Lopes, de 40 anos.
Morador da Baixa da Xanda desde que nasceu, Silvério convive com provocações e brincadeiras dos vizinhos por torcer para o boi rival. Ele contou ao g1 que é chamado de “bodozeiro”, por vender bodó — peixe cujo nome é usado como forma de deboche pelos torcedores do Garantido contra os caprichosos.
Apesar de ser parente de Lindolfo Monteverde, fundador do Garantido, Silvério escolheu o Caprichoso por influência de um tio durante a infância — e desde então mantém sua torcida, mesmo em “território inimigo”.
“O pessoal vive tirando onda, ainda mais eu que trabalho com bodó. Me chamam de ‘Bodozal da Baixa’. Tem um parceiro aqui que grava vídeos e manda para os outros como piada. E eu ainda vendo bem perto do Curral deles, do lado do Curralzinho. Falam mal da gente, mas tudo na brincadeira. É só uma rivalidade saudável”, disse Silvério.
Silvério Lopes mora a vida toda na Baixa da Xanda, e contou que torcedores contrários o chamam de “bodozeiro”, por vender o peixe bodó.
Patrick Marques/g1 AM
O Festival
A histórica disputa entre o Boi Garantido (vermelho) e o Boi Caprichoso (azul) chega à 58ª edição em 2025, em Parintins, conhecida como a “Ilha da Magia”.
Neste ano, o Caprichoso busca o tetracampeonato com o tema “Cultura: o Triunfo do Povo – É tempo de retomada”. Já o Garantido leva à arena o tema “Boi do povo, boi do povão”, reafirmando suas raízes populares.
A expectativa é que mais de 120 mil turistas desembarquem na ilha para acompanhar o Festival Folclórico de Parintins, reconhecido como Patrimônio Cultural do Brasil.
O palco da festa é o Bumbódromo, arena com capacidade para 35 mil pessoas, que recebe todos os anos milhares de visitantes do Brasil e do mundo.
Para embalar os temas, cada boi lança anualmente um álbum com cerca de 20 toadas — músicas que expressam o enredo da apresentação. Durante o festival, as agremiações podem usar tanto toadas do álbum atual quanto de anos anteriores.
Cada boi tem entre 2 horas e 2h30 para se apresentar. Enquanto um se exibe, a torcida do outro — chamada de galera — deve permanecer em silêncio. Qualquer manifestação pode gerar penalização.
O espetáculo é complexo e avaliado em 21 quesitos, que incluem itens tradicionais, artísticos e técnicos. A apresentação também conta com personagens folclóricos como Pai Francisco, Mãe Catirina e Gazumbá, que não são julgados.
Os quesitos são divididos em três blocos:
Bloco A: itens comuns e musicais
Bloco B: cenografia e coreografia
Bloco C: parte artística
Vence o festival o boi que somar mais pontos ao final das três noites, em uma apuração realizada no dia seguinte às apresentações.
Rivalidade de bois transforma Parintins em dois territórios durante o Festival Folclórico
Rede Amazônica
Rivalidade entre Caprichoso e Garantido separa Parintins em azul e vermelho.
Patrick Marques/g1 AM
Rivalidade entre Caprichoso e Garantido separa Parintins em azul e vermelho.
Patrick Marques/g1 AM
Rivalidade entre Caprichoso e Garantido separa Parintins em azul e vermelho.
Patrick Marques/g1 AM
Rivalidade entre Caprichoso e Garantido separa Parintins em azul e vermelho.
Patrick Marques/g1 AM
Rivalidade entre Caprichoso e Garantido separa Parintins em azul e vermelho.
Patrick Marques/g1 AM
Parintins se prepara para receber mais de 120 mil visitantes durante o Festival 2025